“Toda
colonização – seja a antiga, pela invasão dos territórios, seja a moderna, pela
integração forçada no mercado mundial – significa sempre um ato de grandíssima
violência. Implica o bloqueio do desenvolvimento autônomo de um povo.
Representa a submissão de parcelas importantes da cultura, com sua memória,
seus valores, suas instituições, sua religião, à outra cultura invasora. Os
colonizados de ontem e de hoje são obrigados a assumir formas políticas,
hábitos culturais, estilos de comunicação, gêneros de música e modos de
produção e de consumo dos colonizadores. Atualmente se verifica uma poderosa
“hamburguerização” da cultura culinária e uma “rockiquização” dos estilos
musicais.
Os que
detêm o monopólio do ter, do poder e do saber, controlam os mercados e decidem
sobre o que se deve produzir, consumir e exportar. Numa palavra, os colonizados
são impedidos de fazer suas escolhas, de tomar as decisões que constróem a sua
própria história. Tal processo é profundamente humilhante para um povo. Produz
sofrimentos dilaceradores. A médio e a longo prazo não há razões, quaisquer que
sejam, que consigam justificar e tomar aceitável tal sofrimento. Aos poucos ele
se torna simplesmente insuportável. Dá origem a um antipoder. Os oprimidos
começam a “extrojetar” o opressor que forçadamente hospedam dentro de si. É o
tempo maduro para o processo de libertação. Primeiro, na mente. Depois,
na organização, Por fim, na prática.Libertação significa a ação que liberta a
liberdade cativa. É só pela libertação que os oprimidos resgatam a auto-estima.
Refazem a identidade negada. Reconquistam a pátria dominada. E podem construir
uma história autônoma, associada à história de outros povos livres.
–
Oprimidos, convencei-vos desta verdade: a libertação começa na vossa
consciência e no resgate da vossa própria dignidade, feita mediante uma prática
conseqüente.
Confiai. jamais estareis sós. Haverá sempre espíritos
generosos de todas as raças, de todas as classes e de todas as religiões que
farão corpo convosco na vossa nobre causa da liberdade. Haverá sempre aqueles
que pensarão: cada sofrimento humano, em qualquer parte do mundo, cada lágrima
chorada em qualquer rosto, cada ferida aberta em qualquer corpo é como se fosse
uma ferida no meu próprio corpo, uma lágrima dos meus próprios olhos e um
sofrimento do meu próprio coração. E abraçarão a causa dos oprimidos de todo o
mundo. Serão vossos aliados leais. James Aggrey incentivava
em seus compatriotas ganenses tais sentimentos de solidariedade essencial.
Infelizmente não pôde ver a libertação de seu povo. Morreu antes, em
1927. Mas semeou sonhos. A
libertação veio com Kwame N’Krumah, uma geração após. Este aprendeu a lição
libertária de Aggrey: Apesar da vigilância inglesa, conseguiu organizar em 1949
um partido de libertação, chamado Partido da Convenção do Povo. N’Krumah e seu partido pressionaram de tal maneira
a administração colonial inglesa, que o governo de Londres se viu obrigado, em
1952, a fazê-lo primeiroministro. Em seu
discurso de posse surpreendeu a todos ao proclamar: “Sou socialista, sou marxista
e sou cristão”. Obteve a sua maior vitória no
dia 6 de março de 1957 quando presidiu a proclamação da independência da Costa
do Ouro. Agora o país voltou ao antigo nome: Gana. Foi a primeira colônia
africana a conquistar sua independência.
Se
aplicarem os ideais de James Aggrey, consolidarão sua identidade e autonomia. E
avançarão pouco a pouco no sentido de uma concidadania participativa e
solidária.”
NÓS SOMOS
ÁGUIAS
Vamos,
finalmente, contar a história narrada por James Aggrey. O contexto é o seguinte: em meados de 1925, James
havia participado de uma reunião de lideranças populares na qual se discutiam
os caminhos da libertação do domínio colonial inglês. As opiniões se dividiam. Alguns queriam o caminho armado. Outros, o caminho
da organização política do povo, caminho que efetivamente triunfou sob a
liderança de Kwame N’Krumah. Outros se conformavam com a colonização à qual
toda a África estava submetida. E havia também aqueles que se deixavam seduzir
pela retórica* dos ingleses. Eram favoráveis à presença inglesa como forma de
modernização e de inserção no grande mundo tido como civilizado e moderno. James Aggrey, como fino educador, acompanhava
atentamente cada intervenção. Num dado momento, porém, viu que líderes
importantes apoiavam a causa inglesa. Faziam letra morta de toda a história
passada e renunciavam aos sonhos de libertação. Ergueu então a mão e pediu a
palavra. Com grande calma, própria de um sábio, e com certa solenidade, contou
a seguinte história:.”Era uma vez um camponês que foi à floresta vizinha
apanhar um pássaro para mantê-lo cativo em sua casa. Conseguiu pegar um filhote
de águia. Colocou-o no galinheiro junto com as galinhas. Comia milho e ração
própria para galinhas. Embora a águia fosse o rei/rainha de todos os pássaros. Depois de cinco anos, este homem recebeu em sua
casa a visita de um naturalista. Enquanto passeavam pelo jardim, disse o
naturalista:
– Esse pássaro aí não é galinha. É uma águia. – De fato – disse o camponês. É águia. Mas eu a criei como galinha. Ela não é mais uma águia. Transformou-se em galinha como as outras, apesar das asas de quase três metros de extensão.
– Não – retrucou o
naturalista. Ela é e será sempre uma águia. Pois tem um coração de águia. Este
coração a fará um dia voar às alturas.
– Não, não – insistiu o
camponês. Ela virou galinha e jamais voará como águia. Então decidiram fazer uma prova. O naturalista
tomou a águia, ergueu-a bem alto e desafiando-a disse:
– Já que você de fato é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, então abra suas asas e voe!
A águia pousou sobre o braço estendido do naturalista. Olhava distraidamente ao redor. Viu as galinhas lá embaixo, ciscando grãos. E pulou para junto delas.O camponês comentou:
– Eu lhe disse, ela virou uma
simples galinha!
– Não – tornou a insistir o
naturalista. Ela é uma águia. E uma águia será sempre uma águia. Vamos
experimentar novamente amanhã.
No dia seguinte, o naturalista subiu com a águia no teto da casa. Sussurrou-lhe:
No dia seguinte, o naturalista subiu com a águia no teto da casa. Sussurrou-lhe:
-Águia, já que você é uma águia, abra suas asas e voe!
Mas quando a águia viu lá embaixo as galinhas, ciscando o chão, pulou e foi para junto delas. O camponês sorriu e voltou à carga:
– Eu lhe havia dito, ela virou
galinha!
– Não – respondeu firmemente o
naturalista. Ela é águia, possuirá sempre um coração de águia. Vamos
experimentar ainda uma última vez. Amanhã a farei voar.No dia seguinte, o
naturalista e o camponês levantaram bem cedo. Pegaram a águia, levaram-na para
fora da cidade, longe das casas dos homens, no alto de uma montanha. O sol nascente
dourava os picos das montanhas.
O naturalista ergueu a águia para o alto e ordenou-lhe:
O naturalista ergueu a águia para o alto e ordenou-lhe:
– Águia, já que você é uma
águia, já que você pertence ao céu e não à terra, abra suas asas e voe!
A águia olhou ao redor. Tremia
como se experimentasse nova vida. Mas não voou. Então o naturalista segurou-a
firmemente, bem na direção do sol, para que seus olhos pudessem encher-se da
claridade solar e da vastidão do horizonte. Nesse momento, ela abriu suas
potentes asas, grasnou com o típico kau-kau das águias e ergueu-se, soberana,
sobre si mesma. E começou a voar, a voar para o alto, a voar cada vez para mais
alto. Voou… voou.. até confundir-se com o azul do firmamento… “
Postado Por: Prof.
AnaIldo Silva
Formação: Teologia Especulativa
pela FaculdadeTeológica de Campinas/SP
Atualmente estuda
Teologia Contemporânea na Faculdade Claretianas de Rio Claro/SP
Retirado do Livro: A Águia e a Galinha – Leonardo Boff