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quarta-feira, 23 de novembro de 2016

JÔNATAS EDWARDS

Grande despertador (1703-1758)


Há dois séculos que o mundo fala do famoso sermão: Pecadores nas mãos de um Deus irado e dos ouvintes que se agarravam aos bancos pensando que iam cair no fogo eterno. Esse fato foi, apenas, um dos muitos que acontece­ram nas reuniões em que o Espírito Santo desvendava os olhos dos presentes para eles contemplarem as glórias do Céu e a realidade do castigo que está bem perto daqueles que estão afastados de Deus.

Jônatas Edwards, entre os homens, era o vulto maior nesse avivamento, que se intitulava O grande desperta­mento. Sua vida é um exemplo destacado de consagração ao Senhor para o desenvolvimento maior do intelecto e, sem qualquer interesse próprio, de deixar o Espírito Santo usar o mesmo intelecto como instrumento nas suas mãos. Amava a Deus, não somente de coração e alma, mas tam­bém de todo o entendimento. "Sua mente prodigiosa apo­derava-se das verdades mais profundas". Contudo, "sua alma era, de fato, um santuário do Espírito Santo". Sob aparente calma exterior, ardia nele o fogo divino, como um vulcão.

Os crentes atuais devem a esse herói, graças à sua per­severança em orar e estudar sob a direção do Espírito, a volta às várias doutrinas e práticas da igreja primitiva. Grande é o fruto da dedicação do lar em que Edwards nas­ceu e se criou. Seu pai foi o amado pastor de uma só igreja durante um período de sessenta e quatro anos. Sua piedosa mãe era filha de um pregador que pastoreou uma igreja durante mais de cinqüenta anos.

Dez das irmãs de Jônatas, quatro eram mais velhas do que ele e seis mais novas. "Muitas foram as orações que os pais ofereceram a Deus, para que o único e amado filho fos­se cheio do Espírito Santo, e que se tornasse grande peran­te o Senhor. Não somente oravam assim, fervorosa e cons­tantemente, mas mostravam-se igualmente zelosos em criá-lo para Deus. As orações, à volta da lareira, os estimu­laram a se esforçarem, e seus esforços redobrados os moti­varam a orarem mais fervorosamente... O ensino religioso e permanente resultou em Jônatas conhecer intimamente a Deus, quando ainda criança".

Quando Jônatas tinha sete ou oito anos, houve um despertamento na igreja de seu pai, e o menino acostumou-se a orar sozinho, cinco vezes, todos os dias, e a chamar ou­tros da sua idade para orarem com ele.

Citamos aqui as suas palavras sobre esse assunto: "A primeira experiência, de que me lembro, de sentir no ínti­mo a delícia de Deus e das coisas divinas, foi ao ler as pala­vras de 1 Timóteo 1.7: 'Ora, ao Rei dos séculos, imortal, in­visível; ao único Deus seja honra e glória para todo o sem­pre. Amém'. Sentia a presença de Deus até arder o coração e abrasar a alma de tal maneira, que não sei descrevê-la... Gostava de passar o tempo olhando para a lua e, de dia, a contemplar as nuvens e os céus. Passava muito tempo ob­servando a glória de Deus, revelada na natureza e cantan­do as minhas contemplações do Criador e Redentor... An­tes me sentia demasiado assombrado ao ver os relâmpagos e ouvir a troar do trovão. Porém mais tarde eu me regozija­va ao ouvir a majestosa e terrível voz de Deus na trovoada". Antes de completar treze anos, iniciou seu curso em Yale College, onde, no segundo ano, leu atentamente a fa­mosa obra de Locke: Ensaio sobre o entendimento huma­no. Vê-se, nas suas próprias palavras acerca dessa obra, o grande desenvolvimento intelectual do moço: "Achei mais gozo nisso do que o mais ávido avarento, em ajuntar gran­des quantidades de ouro e prata de tesouros recém-adquiridos".

Edwards, antes de completar dezessete anos, diplo­mou-se no Yale College com as maiores honras. Sempre es­tudava com esmero, mas também conseguia tempo para estudar a Bíblia, diariamente. Depois de. diplomar-se, con­tinuou seus estudos em Yale, durante dois. anos e foi então separado para o ministério.

Foi nessa altura que seu biógrafo escreveu acerca de seu costume de dedicar certos dias para jejuar, orar e exami­nar-se a si mesmo.

Acerca da sua consagração, com idade de vinte anos, Edwards escreveu: "Dediquei-me solenemente a Deus e o fiz por escrito, entregando a mim mesmo e tudo que me pertencia ao Senhor, para não ser mais meu em qualquer sentido, para não me comportar como quem tivesse direi­tos de forma alguma... travando, assim, uma batalha com o mundo, a carne e Satanás até o fim da vida".

Alguém assim se referiu a Jônatas: "Sua constante e solene comunhão com Deus, em secreto, fazia com que o rosto dele brilhasse perante o próximo, e sua aparência, semblante, palavras e todo o seu comportamento eram acompanhados por seriedade, gravidade e solenidade".

Aos vinte e quatro anos casou-se com Sara Pierrepont, filha de um pastor, e desse enlace nasceram, como na família do pai de Edwards, onze filhos.

Ao lado de Jônatas Edwards, no Grande Despertamento, estava o nome de Sara Edwards, sua fiel esposa e ajudadora em tudo. Como seu marido, ela nos serve como exemplo de rara intelectualidade. Profundamente estudio­sa, inteiramente entregue ao serviço de Deus, ela era co­nhecida por sua santa dedicação ao lar, pelo modo de criar seus filhos e pela economia que praticava, movida pelas palavras de Cristo: "Para que nada se perca". Mas antes de tudo, tanto ela como seu marido eram conhecidos por suas experiências em oração. Faz-se menção destacada es­pecialmente dum período de três anos, durante o qual, apesar de gozar de perfeita saúde, ficava repetidas vezes sem forças, por causa das revelações do Céu. A sua vida in­teira foi de intenso gozo no Senhor.

Jônatas Edwards costumava passar treze horas, todos os dias, estudando e orando. Sua esposa, também, diaria­mente o acompanhava na oração. Depois da última refei­ção, ele deixava toda a lida, a fim de passar uma hora com a família.

- Mas, quais as doutrinas de que a igreja havia esqueci­do e quais as que Edwards começou a ensinar e a observar de novo, com manifestações tão sublimes?

Basta uma leitura superficial para descobrir que a dou­trina, à qual deu mais ênfase, foi a do novo nascimento, como sendo uma experiência certa e definida, em contras­te com a idéia da Igreja Romana e de várias denominações.

O evento que marcou o começo do Grande Despertamento foi uma série de sermões feitos por Edwards sobre a doutrina da justificação pela fé, que fez os ouvintes senti­rem a verdade das Escrituras, de que toda a boca ficará fe­chada no dia de juízo, e que "não há coisa alguma que, por um momento, evite que o pecador caia no Inferno, senão o bel prazer de Deus".

É impossível avaliar o grau do poder de Deus, derrama­do para despertar milhares de almas, para a salvação, sem primeiro nos lembrarmos das condições das igrejas da Nova Inglaterra, e do mundo inteiro, nessa época. Quem, até hoje, não se admira do heroísmo dos puritanos que co­lonizaram as florestas da Nova Inglaterra? Passara, po­rém, essa glória e a igreja, indiferente e cheia de pecado, se encontrava face com o maior desastre. Parecia que Deus não queria abençoar a obra dos puritanos, obra que existiu unicamente para sua glória. Por isso, no mesmo grau que havia coragem e ardor entre os pioneiros, houve entre seus filhos, perplexidade e confusão. Se não pudessem alcan­çar, de novo, a espiritualidade, só lhes restava esperar o juízo dos céus.O famoso sermão de Edwards, ''Pecadores nas mãos de um Deus irado", merece menção especial.

O povo, ao entrar para o culto, mostrava um espírito le­viano, e mesmo de desrespeito, diante dos cinco pregado­res que estavam presentes. Jônatas Edwards foi escolhido para pregar. Era homem de dois metros de altura; seu ros­to tinha aspecto quase feminino, e o corpo magro de jejuar e orar. Sem quaisquer gestos, encostado num braço sobre a tribuna, segurando o manuscrito na outra mão, falava em voz monótona. Discursou sobre o texto de Deuteronômio 32.35: "Ao tempo em que resvalar o seu pé".

Depois de explicar a passagem, acrescentou que nada evitava, por um momento, que os pecadores caíssem no In­ferno, a não ser a própria vontade de Deus; que Deus esta­va mais encolerizado com alguns dos ouvintes do que com muitas pessoas que já estavam no Inferno; que o pecado era como um fogo encerrado dentro do pecador e pronto, com a permissão de Deus, a transformar-se em fornalhas de fogo e enxofre, e que somente a vontade do Deus indig­nado os guardava da morte instantânea.

Prosseguiu, então, aplicando o texto ao auditório: "Aí está o Inferno com a boca aberta. Não existe coisa alguma sobre a qual vós vos possais firmar e segurar. Entre vós e o Inferno existe apenas a atmosfera... há, atualmente, nu­vens negras da ira de Deus pairando sobre vossas cabeças, predizendo tempestades espantosas, com grandes trovões. Se não existisse a vontade soberana de Deus, que é a única coisa para evitar o ímpeto do vento até agora, serieis des­truídos e vos tornaríeis como a palha da eira... O Deus que vos segura na mão, sobre o abismo do Inferno, mais ou me­nos como o homem segura uma aranha ou outro inseto no­jento sobre o fogo, durante um momento, para deixá-lo cair depois, está sendo provocado em extremo... Não há que admirar, se alguns de vós com saúde e calmamente sentados aí nos bancos, passarem para lá antes de ama­nhã..."

O resultado do sermão foi como se Deus arrancasse um véu dos olhos da multidão para contemplar a realidade e o horror da posição em que estavam. Nessa altura o sermão foi interrompido pelos gemidos dos homens e os gritos das mulheres; quase todos ficaram de pé, ou caídos no chão. Foi como se um furacão soprasse e destruísse uma floresta. Durante a noite inteira a cidade de Enfield ficou como uma fortaleza sitiada. Ouvia-se, em quase todas as casas, o clamor das almas que, até aquela hora, confiavam na sua própria justiça. Esperavam que, a qualquer momento, o Cristo descesse dos céus com os anjos e apóstolos ao lado, e que os túmulos entregassem os mortos que neles havia.

Tais vitórias, contra o reino das trevas, foram ganhas de joelhos. Edwards não abandonara, nem deixara de go­zar os privilégios das orações, costume que vinha desde a meninice. Continuou a freqüentar, também, os lugares so­litários na floresta onde podia ter comunhão com Deus. Como um exemplo citamos a sua experiência com a idade de trinta e quatro anos, quando entrou na floresta, a cava­lo. Lá, prostrado em terra, foi-lhe concedido ter uma visão tão preciosa da graça, amor e humilhação de Cristo como Mediador, que passou uma hora vencido por uma torrente de lágrimas e pranto.

Como era de esperar, o Maligno tentou anular a obra gloriosa do Espírito Santo no "Grande Despertamento", atribuindo tudo ao fanatismo. Em sua defesa Edwards es­creveu : "Deus, conforme as Escrituras, faz coisas extraor­dinárias. Há motivos para crer, pelas profecias da Bíblia, que sua obra mais maravilhosa seria feita nas últimas épo­cas do mundo. Nada se pode opor às manifestações físicas, como as lágrimas, gemidos, gritos, convulsões, falta de for­ças... De fato, é natural esperar, ao lembrarmo-nos da re­lação entre o corpo e o espírito, que tais coisas aconteçam. Assim falam as Escrituras: do carcereiro que caiu perante Paulo e Silas, angustiado e tremendo; do Salmista que ex­clamou, sob a convicção do pecado: 'Envelheceram os meus ossos pelo meu bramido durante o dia todo' (Salmo 32.3); dos discípulos, que, na tempestade do lago, clama­ram de medo; da Noiva, do Cântico dos Cânticos, que fi­cou vencida, pelo amor de Cristo, até desfalecer..."

Certo é que na Nova Inglaterra começou, em 1740, um dos maiores avivamentos dos tempos modernos. É igual­mente certo que este movimento se iniciou, não com os ser­mões célebres de Edwards, mas com a firme convicção deste, de que há uma "obra direta que o Espírito divino faz na alma humana". Note-se bem: Não foram seus sermões mo­nótonos, nem a eloqüência extraordinária de alguns, como Jorge Whitefield, mas, sim, a obra do Espírito Santo no co­ração dos mortos espiritualmente, que, "começando em Northampton, espalhou-se por toda a Nova Inglaterra e pelas colônias da América do Norte, chegando até a Escó­cia e a Inglaterra". De uma época de maior decadência, a Igreja de Cristo, entre a população escassa da Nova Ingla­terra, despertou e foram arrebatadas de trinta a cinqüenta mil almas do Inferno durante um período de dois a três anos.

No meio das suas lutas, sem ninguém esperar, a vida de Jônatas Edwards foi tirada da Terra. Apareceu a varíola em Princeton e um hábil médico foi chamado de Filadélfia para inocular os estudantes. O nosso pregador e duas de suas filhas foram também vacinados. Na febre que resul­tou, as forças de nosso herói diminuíram gradualmente até que, um mês depois, faleceu.

Assim diz um de seus biógrafos: "Em todo o mundo onde se falava o inglês, era considerado o maior erudito desde os dias do apóstolo Paulo ou de Agostinho".

Para nós, a vida de Jônatas Edwards é uma das muitas provas de que Deus não quer que desprezemos as faculda­des intelectuais que Ele nos concede, mas que as desenvol­vamos, sob a direção do Espírito Santo, e que as entregue­mos desinteressadamente para o seu uso.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

HABACUQUE

O VIVER SEGUNDO A FÉ


Habacuque, (חבקוק) Havakuk, cujo significado é “Deus é força” escreveu seu livro profético durante os reinos de Jeoaquim e Josias. Ele advertiu que os babilônios capturariam Judá, e esse seria o castigo de Deus por sua violência, idolatria e corrupção. Habacuque enfatizou a importância de uma fé pessoal, escrevendo que o justo viverá pela fé, Habacuque era uma época de temores e medos naqueles tempos. O império assírio chegava ao apogeu do seu poderio militar, esmagando com crueldade desumana todas as nações do crescente fértil formado pelos vales dos Rios Tigre e Eufrates a leste, e pelo vale do Rio Jordão a oeste. 

O Livro de Habacuque foi escrito em 606 a.C., aproximadamente; vejamos algumas referências que nos ajudam a entender o motivo. No capítulo 1.6, ele faz referência aos caldeus, que viviam numa inacreditável ferocidade. Isso sugere uma data anterior a 605 a.C. e posterior às suas conquistas iniciais. Ele não fez referência alguma a Nínive, o que sugere uma data posterior à destruição da cidade de Nínive em 612 a.C. O profeta preocupa-se sobremaneira com a violência de Judá, isto sugere uma época posterior à morte de Josias em 609 a.C., no iníquo reinado de Jeoaquim. Sendo assim, a data mais provável seria 606 a.C., durante o reinado de Jeoaquim, antes de Judá, ser subjugado por Nabucodonosor.

Em 612 a.C, o império Assírio, aparentemente invencível foi atolado pelo temível exército caldeu, oriundo da Babilônia, que logo assumiu a posição inconteste de superpotência no berço da civilização. A outra superpotência, o Egito, sentiu-se ameaçada, e em 605 a.C. enviou um poderoso exército ao norte, para refrear o programa expansionista caldeu. Judá, viu com empolgação as unidades blindadas egípcias atravessarem a sua terra santa, para se lançarem contra as famigeradas divisões dos caldeus. Assustado, Judá sentiu de perto o drama de sua forçosa participação na gigantesca luta entre as superpotências mundiais. Que tragédia que, em cada século e em cada década, algum país pequeno tenha que conhecer o horror de achar-se entre o quebra-nozes das superpotências! Como a Hungria em 1956, a Tchecoslováquia em 1968, e o Afeganistão em 1980, Judá teve que enfrentar a perda da sua autonomia no grande jogo da política mundial. A Bíblia nos ensina que o Senhor não tem favoritos. Ele não poupa o seu povo da dura experiência da condição humana  A fé no Senhor não é apólice de seguro contra os males comuns. 

O crente sofre tanto quanto o descrente. Surge então a pergunta: por que é que Deus não age em favor dos seus? Eis o problema do crente Habacuque, que vivia mergulhado no remoinho causado pelos trágicos acontecimentos políticos da época. O magnífico exército egípcio, sob o comando do Faraó Neco, atravessou o deserto do Sinai. Passando por Judá, seguiu a estrada principal ao norte, e chegou a Carquemis na Síria, onde enfrentou as forças babilônicas. Numa batalha decisiva em 605 a.C, os egípcios foram derrotados, e recuaram para a sua terra. Os vencedores babilônicos não perderam tempo em seguir os egípcios, ocupando toda a região de Israel e Judá. A cidade santa de Jerusalém foi cercada, e no mesmo ano estudantes judaicos foram levados como reféns para a Babilônia. Entre os exilados se encontravam Daniel e seus famosos colegas Sadraque, Mesaque e Abede-Nego (Daniel 1.1). Embora fossem os mais espirituais de todos os estudantes de Judá, Deus não os poupou, mas permitiu que sofressem a mesma sorte angustiante que os demais estudantes descrentes de Judá, tecendo assim na sua soberania um plano todo especial para eles no cativeiro.

Pregador já conhecido como “o profeta” (1.1), Habacuque não sofreu a mesma sorte por ser mais idoso. Como observador do drama da destruição da pátria, este servo de Deus, na sua perplexidade, tentou conciliar a sua fé num Deus bondoso com a realidade cruel da invasão da Terra da Promissão. Se Deus é realmente o Soberano moral do universo e ao mesmo tempo o Deus de Judá, por que é que ele permitiu que a ímpia Babilônia prosperasse e o povo eleito de Judá fosse por ela calcado? 

HABACUQUE OROU AO SENHOR (CAP. 1)

O profeta Habacuque orou ao Senhor em tempo de angústia demonstrando sua fé, contudo Deus não lhe respondeu. No passado ele conhecia a delícia da comunhão a dois com Deus. Mas agora Deus silenciava, e isto quando o profeta contemplava o desmoronamento da pátria amada. O Governador moral do mundo devia preocupar-se com as infrações à sua santa lei. No entanto, em meio aos cuidados de uma situação perigosa e violenta, o profeta afirmava que Deus nem ouvia nem salvava:

“Até quando, SENHOR, clamarei eu, e tu não escutarás? Gritar-te-ei: Violência! e não salvares?” (1.2)

O profeta ficou se indagando: se Deus permite todas as coisas, por que é que Ele não faz cessar a guerra? Há iniqüidade, opressão, destruição e violência na terra, e os males não são julgados por este Deus Todo-Poderoso que se declara santo e justo (v. 3). Habacuque sentia que a inoperância das leis de Deus levava o povo a abandoná-las:

“Por esta causa a lei se afrouxa.” (1.4)

Como resultado, há uma inversão nos valores morais: “O perverso cerca o justo, e a justiça é torcida.” O triunfo do mal no mundo arrastou o profeta perplexo a um profundo pessimismo. Quando Deus lhe respondeu, afinal, a resposta parecia ser inacreditável. Ele advertiu Habacuque que a verdade sobre a situação era pior do que ele pensava, e dava para ele desmaiar!

“Desvanecei, porque realizo em vossos dias obra tal que vós não crereis, quando vos for contada.” (1.5)

A Babilônia, essa nação amarga e impetuosa, foi suscitada, não por Satanás, mas por Deus:

“Eis que eu suscito os caldeus.” (1.6)

Longe de ignorar a maldade opressora dos caldeus, Deus descreveu objetivamente aquela nação como “pavorosa e terrível” (1.7). Ela mesma criou o seu direito, não reconhecendo os direitos dos outros. A descrição divina da invencibilidade absoluta dos caldeus se lê quase como um elogio ao povo inimigo. Se os caldeus “reúnem os cativos como areia,... escarnecem dos reis,... e riem-se de todas as fortalezas” (1.9-10), o profeta só podia entender que o povo de Judá, junto com o seu rei na fortaleza de Jerusalém cairia nas garras dos caldeus, com a inteira aquiescência do Senhor.

Habacuque não pôde conter-se perante tamanha injustiça. Dirigiu uma prece ao Senhor, protestando-lhe a passividade divina:

“Não és tu desde a eternidade, ó Senhor meu Deus, ó meu Santo?” (1.12)

Se Deus é eterno, por conseguinte é imutável. O Deus santo não permitiria o extermínio do seu povo, com os demais povos subjugados. O profeta bradou com fé:

“Não morreremos!” (1.12)

Embora fosse um castigo severo que Deus permitia, o profeta confiava na salvação final do povo de Deus. Mas este Deus é tão santo que não via o mal perpetrado contra Judá:

“Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal.” (1.13)

Surgiu no coração perplexo do profeta a grande pergunta: por quê? Por quê? Por que um Deus santo não contempla a miséria do seu povo?“

“Por que fazes os homens como os peixes do mar?” (1.14)

Com ousadia Habacuque acusou o Senhor de tratar o seu povo como meros peixes. Os répteis não têm quem os governe, mas os homens de Judá reconheciam o Senhor como o Governador moral da nação. Judá fora tirado com anzol, e estava na rede varredoura dos caldeus (1.15). A Babilônia, como pescador, se alegrava e se regozijava, atribuindo o seu êxito às divindades pagãs. Corajosamente, Habacuque lançou a última palavra de desafio ao Santo Deus de Israel:

“Acaso continuará, por isso, esvaziando a sua rede, e matando sem piedade os povos?” (1.17)

A angustiante tensão entre a fé num Deus de amor e a realidade de uma situação política de injustiça berrante e de violência imerecida não é fenômeno só do período de Habacuque. É um problema básico de todos os séculos. No século XX, desde o fim da II Guerra Mundial, mais de um bilhão de almas — quase a terça parte da população do nosso planeta — tiveram que submeter a cerviz ao jugo comunista ateu. Certamente o Afeganistão não será o último país a perder a sua independência e a sua liberdade religiosa. A metade do mundo vive sob regimes ateus que oprimem toda e qualquer religião. E milhões de almas piedosas, crentes num Deus soberano e bondoso, respiram com Habacuque: “Por quê?” “Os ateus continuarão matando sem piedade os povos?”

HABACUQUE INCLINA SUA MENTE PARA ENTENDER A DEUS (CAP. 2)

É patente que Habacuque conhecia os princípios básicos da oração. Procurou um lugar afastado, tranqüilo, uma torre de vigia, onde esperava e escutava. A oração não é apenas o falar. É o escutar também. Como diz o salmista:

“O Senhor me respondeu e disse: Escreve a visão, grava-a sobre tábuas, para que a possa ler até quem passa correndo.” (2.2)

Naquela época remota quando o papel não era usado ainda, escrevia-se sobre tábuas de barro. Foram descobertas pelos arqueólogos modernos algumas tábuas antigas que remontam ao período de Habacuque. Para fins de publicidade, Deus mandou escrever manchetes em tábuas enormes, tão grandes que “a possa ler até quem passa correndo”. Esse primeiro cartaz evangelístico do mundo serve ainda hoje como estímulo para nós no século de publicidade, da “mass-media”. Deus quer que todos os homens saibam que ele os ama. “Deus tem falado muitas vezes e de muitas maneiras“ (Hb 1.1). No tempo de Habacuque Deus falou pelos meios publicitários do grande cartaz num lugar público. Habacuque era precursor de muitos crentes humildes do interior do Brasil que pintam, com letra tosca, versículos bíblicos nos rochedos à beira das estradas. Atualizando mais a idéia, quem sabe se não se tornará moda colocar bonitos cartazes bíblicos em todos os ônibus e trens? Por que não colocar mensagens bíblicas iluminadas no cume dos arranha-céus das nossas cidades modernas? O profeta, preparou a imensa tábua de barro, e escreveu em manchetes o recado que Deus lhe revelara na torre de vigia:

“Eis o soberbo! Sua alma não é reta nele; mas o justo viverá pela sua fé.” (2.4)

“Aquietai-vos, e sabei que eu sou Deus.” (Sl 46.10)

Os mais entendidos na vida espiritual sabem que leva tempo para conhecer a Deus, o Deus que habita a eternidade. O silêncio reverente faz parte essencial da oração:

A voz divina o advertia que a palavra não se cumpriria imediatamente, “mas se tardar, espera-o” (2.3).

Que significação tem esta mensagem nos dias de hoje? Primeiro, nos assegura que Deus já fez uma avaliação da situação mundial. Sabe que o mundo é dominado pela soberba arrogância humana. E o Senhor já julgou o espírito do mundo:

“Sua alma não é reta.” (2.4)

O mundo inteiro está repleto de injustiça e corrupção, todos os órgãos da sociedade estão manchados. E por isso, os cristãos conscientizados clamam ao Senhor da justiça que intervenha logo. E quantas vezes ficam perplexos, frustrados, e finalmente desanimados, pois o Deus da Bíblia não lhes dá ouvidos: Não destrói o iníquo. Não tira o tirano do poder. Não faz parar miraculosamente os tanques invasores. E neste momento em que as dúvidas invadem a alma, e assaltam o raciocínio, quando o homem piedoso é tentado a abandonar a fé num Deus bom, vem como trovão a mesma resposta dada a Habacuque, séculos antes de Cristo:

“O justo viverá pela sua fé!“ (2.4)

Mas fé em quê, e em quem? Fé no Senhor da História, fé no Senhor do universo, que um dia há de reinar sobre esta terra. Fé naquele que nos ensinou a orar: “Venha o teu reino”, e mais ainda, “pois teu é o reino” (Mt 6.10-13). O apóstolo Paulo aproveitou esta mensagem, fazendo dela sua maior tese teológica, a Epístola aos Romanos. Os raios rutilantes da frase simples iluminaram o convento do monge alemão Martinho Lutero, “transformando-o em paladim do Evangelho. João Wesley também agarrou a quintessência do recado, e tornou-se salvador da sua pátria, a Inglaterra, que jazia na inglória da descrença, da volúpia infrene, e da bebedice destruidora.

Do apóstolo Paulo aprendemos que o mundo sofredor geme na angústia (Rm 8.22). Nós também, os remidos, gememos em nosso íntimo (Rm 8.23), aguardando a redenção final de toda a criação. Como é importante saber que neste ardente desejo de um mundo restaurado e transformado, um mundo de justiça e de amor fraternal, o Espírito Santo também geme com gemidos inexprimíveis, desejando esta metamorfose global muito mais do que nós (Rm 8.26). Deus não descansará até que este mundo por ele criado reflita a glória do seu Filho, Jesus Cristo, para quem foi criado (Cl 1.16).

Portanto, o crente em Jesus Cristo contempla o mundo contemporâneo com um otimismo nascido da fé. Não recai no fatalismo, afirmando que tudo há de piorar inevitavelmente. Embora sabendo que o mundo nunca será restaurado sem o Príncipe da Paz presente para reinar, não se desanima por causa do triunfo do mal no mundo. O Reino de Deus já está presente nele! O justo, vivendo num mundo de injustiça, só pode viver pela fé. Como diz o apóstolo Pedro, ele espera “novos céus e nova terra, nos quais habita justiça.” (II Pe 3.13). Nenhum sistema político oferece a perfeita justiça. Corrompeu-se a humanidade na Queda. No entanto, o homem novo em Cristo, praticando a justiça dentro de um sistema imperfeito, anuncia de antemão a vinda do Reino de Deus.

Habacuque considerou a soberba arrogância da Babilônia, que afastava a justiça da terra tirando a liberdade de todas as nações vizinhas, escravizando todos os povos. O profeta comparou a arrogância babilônica à do bêbado!

“... como o vinho é enganoso, tão pouco permanece o arrogante.” (2.5)

O profeta reconheceu ter necessidade de paciência. “Se a visão tardar, espera-o”, rezava o recado divino. A reflexão séria sobre o problema do triunfo do mal no mundo o levou a considerar a veracidade de cinco provérbios bem conhecidos na época. A sabedoria milenar o convenceu do triunfo final do bem:

“Ai daquele que acumula o que não é seu.” (2.6)

Nas guerras expansionistas, a Babilônia tinha tomado como presa de guerra reféns, objetos de arte, dinheiro, e tudo quanto podia ser levado para casa. A lei da retribuição exige que quem oprime, que seja oprimido. E a lex talionis, “olho por olho, dente por dente”. O profeta predisse a sorte dos cruéis caldeus:

“Visto como despojaste a muitas nações, todos os mais povos te despojarão a ti.” (2.8)

Como o indivíduo, as nações também ceifam o que semeiam. Eis o princípio fundamental que controla o destino humano. “De Deus não se zomba, pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6.7). Habacuque sabia que cedo ou tarde o opressor sofreria a mesma sorte de suas vítimas. A história confirma a veracidade do provérbio, pois dentro de poucas décadas o império babilônico caiu perante as forças dos medo-persas sob Dario (Dn 5.30,31).

“Ai daquele que ajunta em sua casa bens mal adquiridos, para pôr em lugar alto o seu ninho.” (2.9). O segundo “ai” condena a aquisição réproba dos bens alheios. Depois de suas conquistas militares, a Babilônia pilhava os países invadidos. Do templo em Jerusalém o seu exército levou para a Babilônia os sagrados tesouros, e os utensílios de ouro. Arrastou blocos de pedra e madeiramento de cidades arrombadas, para embelezarem a capital à beira do Eufrates.

Babilônia desfrutava de prestigio e fama universal pelos jardins suspensos, uma construção tão extraordinária que foi conhecida como uma das sete maravilhas do mundo antigo. Provavelmente Habacuque se referiu a esses jardins suspensos quando falou dos bens mal adquiridos, colocados em lugar alto, no seu “ninho”. Por serem saqueadas de cidades invadidas, “a própria pedra clamará da parede e a trave lhe responderá do madeiramento” (2.11). Embora sustentando a glória da cidade capital do império caldeu, as pedras e a madeira estrangeiras eram testemunhas que protestavam o vergonhoso saque de outros povos.

“Ai daquele que edifica a cidade com sangue.” (2.12)

No caminhar da história da humanidade, nunca cessam as guerras de agressão. O crudelíssimo Nabucodonosor foi protótipo de uma longa lista de invasores famosos pelo derramamento de sangue: Júlio César, Genghis Kahn, Napoleão, Hitler, Stalin e Idi Amin. Ainda hoje, depois de tantos séculos de dura experiência, e de progresso cultural, as invasões continuam: em Angola, no Laos, no Afeganistão. O espectador tem a impressão de que Deus escreve a História lentamente, além de escrever certo com linhas tortas. Mas a perspectiva cósmica do drama humano permite-nos perceber que Deus de fato julga as. nações edificadas com sangue. Todos os impérios do mundo chegam à maré alta, recuam, e desaparecem no oceano da humanidade. O único império permanente é o Reino de Deus que o profeta Habacuque tanto anelava. Ele previu o tempo maravilhoso do reino da justiça e da paz, quando disse:

“... a terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar.” (2.14)

Deus não dará a sua glória ao homem pecador. Os reis da terra, os presidentes e os ditadores hão de passar, e finalmente Jesus Cristo será proclamado o Senhor do universo. “Todo joelho se dobrará e toda língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor para a glória de Deus Pai.” (Fp 2.11)

“Ai daquele que dá de beber ao seu companheiro.” (2.15)

As estrondosas vitórias do exército caldeu eram ocasiões para marchas triunfais e celebrações festivas. Com brinde ao imperador invencível, as tropas se lançavam na bebedice desenfreada. Na embriaguez, abandonavam o pudor, expondo-se vergonhosamente (2.15). 

Habacuque estava certo de que o Senhor lhes daria um outro cálice a beber, o cálice da sua ira, que os lançaria na ignomínia total, quando a Babilônia, exposta e nua, seria humilhada pelos seus inimigos. Por ter destruído as florestas do Líbano e as feras, sem falar dos homens, a Babilônia cairia, pois à crueldade humana ela acrescentou um crime ecológico contra a própria natureza. Quantos desertos foram criados pela guerra! (2.17)

“Ai daquele que diz ao pau: Acorda! e à pedra muda: Desperta! (2.19)

O quinto e último “ai” se dirigiu contra a idolatria. Os caldeus adoravam imagens de escultura “em cujo interior não havia fôlego nenhum” (2.19). Quão absurdo é o homem rezar a um pedaço de pau ou de pedra! O segundo mandamento diz claramente: “Não farás para ti imagem de escultura” (Ex 20.4). Não obstante, milhões de chamados “cristãos” hoje se curvam cada domingo perante imagens de santos, tal como os pagãos.

O imperador Nabucodonosor tinha mandado fazer na cidade da Babilônia uma imensa estátua de si mesmo, toda em ouro. Baixou um decreto obrigando todos os cidadãos a rezar a esta imagem. De toda a população, três judeus exilados, crentes no Senhor, recusaram-se a inclinar perante o ídolo. Os corajosos contemporâneos de Habacuque foram lançados na fornalha ardente, de onde saíram ilesos miraculosamente (Dn 3). Assim foi que o imperador Nabucodonosor aprendeu que só o Deus de Israel, Javé, deve ser adorado, e arrependeu-se. No fim, todas as religiões falsas, todo culto prestado às imagens, o que é vedado no decálogo, desaparecerão; e todos os homens saberão que o SENHOR é o único Deus desta terra.

“O Senhor, porém, está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra.” (2.20)

A séria reflexão do profeta Habacuque sobre os alicerces morais do mundo o convenceu de que o mal não prevalecerá contra o bem. O Senhor há de reinar, e os que confiam nele, os justos que vivem pela fé, verão o triunfo do Reino de Deus aqui na terra, quando, afinal, a justiça será estabelecida entre os homens pelo Senhor. Cumprir-se-á a grande aspiração da oração dominical: “Livra-nos do mal, pois teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém.”

UM LOUVOR CONTAGIANTE E GRACIOSO (CAP. 3)

Habacuque chegou a conciliar a razão com a fé. Em seu universo pessoal, não havia mais tensão, não havia mais dicotomia entre a fé e o raciocínio. Por conseguinte, experimentou a liberdade interior, a verdadeira liberdade do espírito, que sobrepuja todas as barreiras do intelecto. E como expressão desta nova liberdade ele compôs um belíssimo poema, um hino de louvor que constitui uma jóia do saltério hebraico.

Agora convencido de que Deus é sempre justo para com todos os homens, Habacuque apelou para o Senhor dos seus antepassados, o Senhor da aliança com Israel. Pediu-lhe arrojadamente que avivasse novamente a sua obra. O Deus que no passado se manifestara aos israelitas primitivos deveria agir agora na defesa dos seus descendentes. Habacuque se lembrou das gloriosas façanhas do grande Deus de Israel em Temã e Parã (3.2). Tema era Edom, a leste do Jordão. Parã se situava entre o Sinai e Edom. Os dois lugares recordavam intervenções do Senhor, na época da caminhada do povo de Israel, desde o deserto até Canaã.

“Deus vem de Temã, e do monte de Parã vem o Santo. A sua glória cobre os céus ...” (3.3)

No Monte Sinai, a glória do Senhor cobrira o monte, e a terra tremera quando Deus entregou a lei a Moisés. O profeta cria que Deus, por ser eterno, não muda. Se se manifestasse da mesma maneira novamente, como antes, Israel não poderia temer. Os inimigos de Israel é que deveriam tremer diante dele, pois “... a pestilência segue os seus passos.” (3.5).

O Senhor envergonhara o poderoso Egito, no tempo de Moisés, mediante as pestilências das rãs, dos piolhos, das moscas e dos gafanhotos, antes da praga final da morte dos primogênitos. O desejo estava nos lábios de Habacuque: “Oxalá que se repetissem hoje sobre os caldeus”. Habacuque relembrava também a vitória de Israel contra Midiã, chamado Cusã no tempo de Habacuque (Nm 31). E quem podia esquecer o milagre da separação das águas do Mar Vermelho, quando Deus salvou do Egito o seu povo escravizado? (3.8). Deus não se irou contra as águas mas, sim, contra os inimigos de Israel, quando “os cavalos do Senhor” marcharam pelo mar (3.15).

O contexto de Israel como nação é a história da salvação, por ser Israel “o ungido do Senhor” (3.13). E a única maneira por que se pode explicar as vitórias do pequeno Israel contra os seus poderosos inimigos, vitórias essas tipificadas pelo triunfo do jovem Davi na luta contra o gigante Golias, degolado com a sua própria espada. Por isso Habacuque se regozijava:

“Traspassas a cabeça dos guerreiros do inimigo com as suas próprias lanças.” (3.14)

Enternecido o profeta, contemplando a invencibilidade do Senhor. Convenceu-se de que as forças irresistíveis de Deus esmagariam para sempre os invasores caldeus “no seu dia de angústia” (3.16). O perfeito louvor foi concluído com a mais absoluta afirmação de fé. O profeta confiava cabalmente na soberania do Senhor, a ponto de aceitar quaisquer circunstâncias como sendo dentro da boa e perfeita vontade de Deus para ele. Habacuque contemplava a possível perda da safra de frutas, e a extinção dos rebanhos como conseqüência de uma nova invasão. No entanto, o profeta reafirmou a sua alegria no Senhor:

“Ainda que a figueira não floresce . . . e nos currais não há gado, todavia eu me alegro no Senhor.” (3.17)

Semelhante a Jó, Habacuque estava pronto a perder tudo, menos a sua fé no Senhor. Habacuque fala alto à nossa sociedade de consumo, com os seus exagerados valores materiais, e o seu desprezo aos valores espirituais. A posse de bens materiais não é necessariamente sinal da bênção e da vontade divinas! A fé em Cristo não garante, de maneira nenhuma, a entrada na vida opulenta e luxuosa ... Nos países latino-americanos, com os seus milhões de seres humanos vivendo precariamente, há mui tos Habacuques modernos, que passam fome e sede, que não possuem nem casa nem terras, mas que têm fé, e por isso exultam no Deus da sua salvação. No quadro sombrio da tragédia em que vivem nossos povos nesta hora de inquietação espiritual, de confusão religiosa, de decadência moral e de convulsões sociais e políticas, são eles sal da terra, luz do mundo; nada tendo, mas possuindo tudo. Eis a voz profética ao mundo alucinado com o crasso materialismo do século XX: “Ainda que perca tudo, todavia eu me alegro no SENHOR”. E quem possui o Senhor tem a única riqueza que perdura para sempre. Isto também se aceita pela fé. Nesta certeza, nascida da fé, o profeta rematou a bela canção com palavras cheias de fé inabalável:

“O SENHOR Deus é a minha fortaleza e faz os meus pés como os da corça, e me faz andar altaneiramente.” (3.19)

Sim, o justo viverá pela sua fé. E esta fé no Senhor triunfante, ressuscitado e glorioso, transmite à vida diária uma vitalidade vibrante. Quem pela fé vê Cristo sentado no trono do universo, aguardando o momento supremo da revelação empolgante da sua glória aqui na terra, não se desanima com a situação mundial! Sabe que Cristo voltará para reinar eternamente, “porque convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo dos seus pés” (I Co 15.25). Quem tem esta fé em Cristo já é súdito do reino eterno, vivendo segundo os princípios da justiça, da paz e do amor. O reino chega com o crente, no limitado contexto da sua atuação entre os homens. Ele é sinal e penhor, dado aos homens pelo Santo Espírito, da sociedade a vir. Por isso, “anda com alegria, como corça nas montanhas.” A sua plena aceitação pela fé da vontade de Deus, sejam quais forem as circunstâncias externas por ele permitidas, é o segredo, único e perene, duma vida harmoniosa e abundante!

HABACUQUE

O VIVER SEGUNDO A FÉ


Habacuque, (חבקוק) Havakuk, cujo significado é “Deus é força” escreveu seu livro profético durante os reinos de Jeoaquim e Josias. Ele advertiu que os babilônios capturariam Judá, e esse seria o castigo de Deus por sua violência, idolatria e corrupção. Habacuque enfatizou a importância de uma fé pessoal, escrevendo que o justo viverá pela fé, Habacuque era uma época de temores e medos naqueles tempos. O império assírio chegava ao apogeu do seu poderio militar, esmagando com crueldade desumana todas as nações do crescente fértil formado pelos vales dos Rios Tigre e Eufrates a leste, e pelo vale do Rio Jordão a oeste. 

O Livro de Habacuque foi escrito em 606 a.C., aproximadamente; vejamos algumas referências que nos ajudam a entender o motivo. No capítulo 1.6, ele faz referência aos caldeus, que viviam numa inacreditável ferocidade. Isso sugere uma data anterior a 605 a.C. e posterior às suas conquistas iniciais. Ele não fez referência alguma a Nínive, o que sugere uma data posterior à destruição da cidade de Nínive em 612 a.C. O profeta preocupa-se sobremaneira com a violência de Judá, isto sugere uma época posterior à morte de Josias em 609 a.C., no iníquo reinado de Jeoaquim. Sendo assim, a data mais provável seria 606 a.C., durante o reinado de Jeoaquim, antes de Judá, ser subjugado por Nabucodonosor.

Em 612 a.C, o império Assírio, aparentemente invencível foi atolado pelo temível exército caldeu, oriundo da Babilônia, que logo assumiu a posição inconteste de superpotência no berço da civilização. A outra superpotência, o Egito, sentiu-se ameaçada, e em 605 a.C. enviou um poderoso exército ao norte, para refrear o programa expansionista caldeu. Judá, viu com empolgação as unidades blindadas egípcias atravessarem a sua terra santa, para se lançarem contra as famigeradas divisões dos caldeus. Assustado, Judá sentiu de perto o drama de sua forçosa participação na gigantesca luta entre as superpotências mundiais. Que tragédia que, em cada século e em cada década, algum país pequeno tenha que conhecer o horror de achar-se entre o quebra-nozes das superpotências! Como a Hungria em 1956, a Tchecoslováquia em 1968, e o Afeganistão em 1980, Judá teve que enfrentar a perda da sua autonomia no grande jogo da política mundial. A Bíblia nos ensina que o Senhor não tem favoritos. Ele não poupa o seu povo da dura experiência da condição humana  A fé no Senhor não é apólice de seguro contra os males comuns. 

O crente sofre tanto quanto o descrente. Surge então a pergunta: por que é que Deus não age em favor dos seus? Eis o problema do crente Habacuque, que vivia mergulhado no remoinho causado pelos trágicos acontecimentos políticos da época. O magnífico exército egípcio, sob o comando do Faraó Neco, atravessou o deserto do Sinai. Passando por Judá, seguiu a estrada principal ao norte, e chegou a Carquemis na Síria, onde enfrentou as forças babilônicas. Numa batalha decisiva em 605 a.C, os egípcios foram derrotados, e recuaram para a sua terra. Os vencedores babilônicos não perderam tempo em seguir os egípcios, ocupando toda a região de Israel e Judá. A cidade santa de Jerusalém foi cercada, e no mesmo ano estudantes judaicos foram levados como reféns para a Babilônia. Entre os exilados se encontravam Daniel e seus famosos colegas Sadraque, Mesaque e Abede-Nego (Daniel 1.1). Embora fossem os mais espirituais de todos os estudantes de Judá, Deus não os poupou, mas permitiu que sofressem a mesma sorte angustiante que os demais estudantes descrentes de Judá, tecendo assim na sua soberania um plano todo especial para eles no cativeiro.

Pregador já conhecido como “o profeta” (1.1), Habacuque não sofreu a mesma sorte por ser mais idoso. Como observador do drama da destruição da pátria, este servo de Deus, na sua perplexidade, tentou conciliar a sua fé num Deus bondoso com a realidade cruel da invasão da Terra da Promissão. Se Deus é realmente o Soberano moral do universo e ao mesmo tempo o Deus de Judá, por que é que ele permitiu que a ímpia Babilônia prosperasse e o povo eleito de Judá fosse por ela calcado? 

HABACUQUE OROU AO SENHOR (CAP. 1)

O profeta Habacuque orou ao Senhor em tempo de angústia demonstrando sua fé, contudo Deus não lhe respondeu. No passado ele conhecia a delícia da comunhão a dois com Deus. Mas agora Deus silenciava, e isto quando o profeta contemplava o desmoronamento da pátria amada. O Governador moral do mundo devia preocupar-se com as infrações à sua santa lei. No entanto, em meio aos cuidados de uma situação perigosa e violenta, o profeta afirmava que Deus nem ouvia nem salvava:

“Até quando, SENHOR, clamarei eu, e tu não escutarás? Gritar-te-ei: Violência! e não salvares?” (1.2)

O profeta ficou se indagando: se Deus permite todas as coisas, por que é que Ele não faz cessar a guerra? Há iniqüidade, opressão, destruição e violência na terra, e os males não são julgados por este Deus Todo-Poderoso que se declara santo e justo (v. 3). Habacuque sentia que a inoperância das leis de Deus levava o povo a abandoná-las:

“Por esta causa a lei se afrouxa.” (1.4)

Como resultado, há uma inversão nos valores morais: “O perverso cerca o justo, e a justiça é torcida.” O triunfo do mal no mundo arrastou o profeta perplexo a um profundo pessimismo. Quando Deus lhe respondeu, afinal, a resposta parecia ser inacreditável. Ele advertiu Habacuque que a verdade sobre a situação era pior do que ele pensava, e dava para ele desmaiar!

“Desvanecei, porque realizo em vossos dias obra tal que vós não crereis, quando vos for contada.” (1.5)

A Babilônia, essa nação amarga e impetuosa, foi suscitada, não por Satanás, mas por Deus:

“Eis que eu suscito os caldeus.” (1.6)

Longe de ignorar a maldade opressora dos caldeus, Deus descreveu objetivamente aquela nação como “pavorosa e terrível” (1.7). Ela mesma criou o seu direito, não reconhecendo os direitos dos outros. A descrição divina da invencibilidade absoluta dos caldeus se lê quase como um elogio ao povo inimigo. Se os caldeus “reúnem os cativos como areia,... escarnecem dos reis,... e riem-se de todas as fortalezas” (1.9-10), o profeta só podia entender que o povo de Judá, junto com o seu rei na fortaleza de Jerusalém cairia nas garras dos caldeus, com a inteira aquiescência do Senhor.

Habacuque não pôde conter-se perante tamanha injustiça. Dirigiu uma prece ao Senhor, protestando-lhe a passividade divina:

“Não és tu desde a eternidade, ó Senhor meu Deus, ó meu Santo?” (1.12)

Se Deus é eterno, por conseguinte é imutável. O Deus santo não permitiria o extermínio do seu povo, com os demais povos subjugados. O profeta bradou com fé:

“Não morreremos!” (1.12)

Embora fosse um castigo severo que Deus permitia, o profeta confiava na salvação final do povo de Deus. Mas este Deus é tão santo que não via o mal perpetrado contra Judá:

“Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal.” (1.13)

Surgiu no coração perplexo do profeta a grande pergunta: por quê? Por quê? Por que um Deus santo não contempla a miséria do seu povo?“

“Por que fazes os homens como os peixes do mar?” (1.14)

Com ousadia Habacuque acusou o Senhor de tratar o seu povo como meros peixes. Os répteis não têm quem os governe, mas os homens de Judá reconheciam o Senhor como o Governador moral da nação. Judá fora tirado com anzol, e estava na rede varredoura dos caldeus (1.15). A Babilônia, como pescador, se alegrava e se regozijava, atribuindo o seu êxito às divindades pagãs. Corajosamente, Habacuque lançou a última palavra de desafio ao Santo Deus de Israel:

“Acaso continuará, por isso, esvaziando a sua rede, e matando sem piedade os povos?” (1.17)

A angustiante tensão entre a fé num Deus de amor e a realidade de uma situação política de injustiça berrante e de violência imerecida não é fenômeno só do período de Habacuque. É um problema básico de todos os séculos. No século XX, desde o fim da II Guerra Mundial, mais de um bilhão de almas — quase a terça parte da população do nosso planeta — tiveram que submeter a cerviz ao jugo comunista ateu. Certamente o Afeganistão não será o último país a perder a sua independência e a sua liberdade religiosa. A metade do mundo vive sob regimes ateus que oprimem toda e qualquer religião. E milhões de almas piedosas, crentes num Deus soberano e bondoso, respiram com Habacuque: “Por quê?” “Os ateus continuarão matando sem piedade os povos?”

HABACUQUE INCLINA SUA MENTE PARA ENTENDER A DEUS (CAP. 2)

É patente que Habacuque conhecia os princípios básicos da oração. Procurou um lugar afastado, tranqüilo, uma torre de vigia, onde esperava e escutava. A oração não é apenas o falar. É o escutar também. Como diz o salmista:

“O Senhor me respondeu e disse: Escreve a visão, grava-a sobre tábuas, para que a possa ler até quem passa correndo.” (2.2)

Naquela época remota quando o papel não era usado ainda, escrevia-se sobre tábuas de barro. Foram descobertas pelos arqueólogos modernos algumas tábuas antigas que remontam ao período de Habacuque. Para fins de publicidade, Deus mandou escrever manchetes em tábuas enormes, tão grandes que “a possa ler até quem passa correndo”. Esse primeiro cartaz evangelístico do mundo serve ainda hoje como estímulo para nós no século de publicidade, da “mass-media”. Deus quer que todos os homens saibam que ele os ama. “Deus tem falado muitas vezes e de muitas maneiras“ (Hb 1.1). No tempo de Habacuque Deus falou pelos meios publicitários do grande cartaz num lugar público. Habacuque era precursor de muitos crentes humildes do interior do Brasil que pintam, com letra tosca, versículos bíblicos nos rochedos à beira das estradas. Atualizando mais a idéia, quem sabe se não se tornará moda colocar bonitos cartazes bíblicos em todos os ônibus e trens? Por que não colocar mensagens bíblicas iluminadas no cume dos arranha-céus das nossas cidades modernas? O profeta, preparou a imensa tábua de barro, e escreveu em manchetes o recado que Deus lhe revelara na torre de vigia:

“Eis o soberbo! Sua alma não é reta nele; mas o justo viverá pela sua fé.” (2.4)

“Aquietai-vos, e sabei que eu sou Deus.” (Sl 46.10)

Os mais entendidos na vida espiritual sabem que leva tempo para conhecer a Deus, o Deus que habita a eternidade. O silêncio reverente faz parte essencial da oração:

A voz divina o advertia que a palavra não se cumpriria imediatamente, “mas se tardar, espera-o” (2.3).

Que significação tem esta mensagem nos dias de hoje? Primeiro, nos assegura que Deus já fez uma avaliação da situação mundial. Sabe que o mundo é dominado pela soberba arrogância humana. E o Senhor já julgou o espírito do mundo:

“Sua alma não é reta.” (2.4)

O mundo inteiro está repleto de injustiça e corrupção, todos os órgãos da sociedade estão manchados. E por isso, os cristãos conscientizados clamam ao Senhor da justiça que intervenha logo. E quantas vezes ficam perplexos, frustrados, e finalmente desanimados, pois o Deus da Bíblia não lhes dá ouvidos: Não destrói o iníquo. Não tira o tirano do poder. Não faz parar miraculosamente os tanques invasores. E neste momento em que as dúvidas invadem a alma, e assaltam o raciocínio, quando o homem piedoso é tentado a abandonar a fé num Deus bom, vem como trovão a mesma resposta dada a Habacuque, séculos antes de Cristo:

“O justo viverá pela sua fé!“ (2.4)

Mas fé em quê, e em quem? Fé no Senhor da História, fé no Senhor do universo, que um dia há de reinar sobre esta terra. Fé naquele que nos ensinou a orar: “Venha o teu reino”, e mais ainda, “pois teu é o reino” (Mt 6.10-13). O apóstolo Paulo aproveitou esta mensagem, fazendo dela sua maior tese teológica, a Epístola aos Romanos. Os raios rutilantes da frase simples iluminaram o convento do monge alemão Martinho Lutero, “transformando-o em paladim do Evangelho. João Wesley também agarrou a quintessência do recado, e tornou-se salvador da sua pátria, a Inglaterra, que jazia na inglória da descrença, da volúpia infrene, e da bebedice destruidora.

Do apóstolo Paulo aprendemos que o mundo sofredor geme na angústia (Rm 8.22). Nós também, os remidos, gememos em nosso íntimo (Rm 8.23), aguardando a redenção final de toda a criação. Como é importante saber que neste ardente desejo de um mundo restaurado e transformado, um mundo de justiça e de amor fraternal, o Espírito Santo também geme com gemidos inexprimíveis, desejando esta metamorfose global muito mais do que nós (Rm 8.26). Deus não descansará até que este mundo por ele criado reflita a glória do seu Filho, Jesus Cristo, para quem foi criado (Cl 1.16).

Portanto, o crente em Jesus Cristo contempla o mundo contemporâneo com um otimismo nascido da fé. Não recai no fatalismo, afirmando que tudo há de piorar inevitavelmente. Embora sabendo que o mundo nunca será restaurado sem o Príncipe da Paz presente para reinar, não se desanima por causa do triunfo do mal no mundo. O Reino de Deus já está presente nele! O justo, vivendo num mundo de injustiça, só pode viver pela fé. Como diz o apóstolo Pedro, ele espera “novos céus e nova terra, nos quais habita justiça.” (II Pe 3.13). Nenhum sistema político oferece a perfeita justiça. Corrompeu-se a humanidade na Queda. No entanto, o homem novo em Cristo, praticando a justiça dentro de um sistema imperfeito, anuncia de antemão a vinda do Reino de Deus.

Habacuque considerou a soberba arrogância da Babilônia, que afastava a justiça da terra tirando a liberdade de todas as nações vizinhas, escravizando todos os povos. O profeta comparou a arrogância babilônica à do bêbado!

“... como o vinho é enganoso, tão pouco permanece o arrogante.” (2.5)

O profeta reconheceu ter necessidade de paciência. “Se a visão tardar, espera-o”, rezava o recado divino. A reflexão séria sobre o problema do triunfo do mal no mundo o levou a considerar a veracidade de cinco provérbios bem conhecidos na época. A sabedoria milenar o convenceu do triunfo final do bem:

“Ai daquele que acumula o que não é seu.” (2.6)

Nas guerras expansionistas, a Babilônia tinha tomado como presa de guerra reféns, objetos de arte, dinheiro, e tudo quanto podia ser levado para casa. A lei da retribuição exige que quem oprime, que seja oprimido. E a lex talionis, “olho por olho, dente por dente”. O profeta predisse a sorte dos cruéis caldeus:

“Visto como despojaste a muitas nações, todos os mais povos te despojarão a ti.” (2.8)

Como o indivíduo, as nações também ceifam o que semeiam. Eis o princípio fundamental que controla o destino humano. “De Deus não se zomba, pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6.7). Habacuque sabia que cedo ou tarde o opressor sofreria a mesma sorte de suas vítimas. A história confirma a veracidade do provérbio, pois dentro de poucas décadas o império babilônico caiu perante as forças dos medo-persas sob Dario (Dn 5.30,31).
“Ai daquele que ajunta em sua casa bens mal adquiridos, para pôr em lugar alto o seu ninho.” (2.9). O segundo “ai” condena a aquisição réproba dos bens alheios. Depois de suas conquistas militares, a Babilônia pilhava os países invadidos. Do templo em Jerusalém o seu exército levou para a Babilônia os sagrados tesouros, e os utensílios de ouro. Arrastou blocos de pedra e madeiramento de cidades arrombadas, para embelezarem a capital à beira do Eufrates.
Babilônia desfrutava de prestigio e fama universal pelos jardins suspensos, uma construção tão extraordinária que foi conhecida como uma das sete maravilhas do mundo antigo. Provavelmente Habacuque se referiu a esses jardins suspensos quando falou dos bens mal adquiridos, colocados em lugar alto, no seu “ninho”. Por serem saqueadas de cidades invadidas, “a própria pedra clamará da parede e a trave lhe responderá do madeiramento” (2.11). Embora sustentando a glória da cidade capital do império caldeu, as pedras e a madeira estrangeiras eram testemunhas que protestavam o vergonhoso saque de outros povos.

“Ai daquele que edifica a cidade com sangue.” (2.12)

No caminhar da história da humanidade, nunca cessam as guerras de agressão. O crudelíssimo Nabucodonosor foi protótipo de uma longa lista de invasores famosos pelo derramamento de sangue: Júlio César, Genghis Kahn, Napoleão, Hitler, Stalin e Idi Amin. Ainda hoje, depois de tantos séculos de dura experiência, e de progresso cultural, as invasões continuam: em Angola, no Laos, no Afeganistão. O espectador tem a impressão de que Deus escreve a História lentamente, além de escrever certo com linhas tortas. Mas a perspectiva cósmica do drama humano permite-nos perceber que Deus de fato julga as. nações edificadas com sangue. Todos os impérios do mundo chegam à maré alta, recuam, e desaparecem no oceano da humanidade. O único império permanente é o Reino de Deus que o profeta Habacuque tanto anelava. Ele previu o tempo maravilhoso do reino da justiça e da paz, quando disse:

“... a terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar.” (2.14)

Deus não dará a sua glória ao homem pecador. Os reis da terra, os presidentes e os ditadores hão de passar, e finalmente Jesus Cristo será proclamado o Senhor do universo. “Todo joelho se dobrará e toda língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor para a glória de Deus Pai.” (Fp 2.11)

“Ai daquele que dá de beber ao seu companheiro.” (2.15)

As estrondosas vitórias do exército caldeu eram ocasiões para marchas triunfais e celebrações festivas. Com brinde ao imperador invencível, as tropas se lançavam na bebedice desenfreada. Na embriaguez, abandonavam o pudor, expondo-se vergonhosamente (2.15). 

Habacuque estava certo de que o Senhor lhes daria um outro cálice a beber, o cálice da sua ira, que os lançaria na ignomínia total, quando a Babilônia, exposta e nua, seria humilhada pelos seus inimigos. Por ter destruído as florestas do Líbano e as feras, sem falar dos homens, a Babilônia cairia, pois à crueldade humana ela acrescentou um crime ecológico contra a própria natureza. Quantos desertos foram criados pela guerra! (2.17)

“Ai daquele que diz ao pau: Acorda! e à pedra muda: Desperta! (2.19)

O quinto e último “ai” se dirigiu contra a idolatria. Os caldeus adoravam imagens de escultura “em cujo interior não havia fôlego nenhum” (2.19). Quão absurdo é o homem rezar a um pedaço de pau ou de pedra! O segundo mandamento diz claramente: “Não farás para ti imagem de escultura” (Ex 20.4). Não obstante, milhões de chamados “cristãos” hoje se curvam cada domingo perante imagens de santos, tal como os pagãos.
O imperador Nabucodonosor tinha mandado fazer na cidade da Babilônia uma imensa estátua de si mesmo, toda em ouro. Baixou um decreto obrigando todos os cidadãos a rezar a esta imagem. De toda a população, três judeus exilados, crentes no Senhor, recusaram-se a inclinar perante o ídolo. Os corajosos contemporâneos de Habacuque foram lançados na fornalha ardente, de onde saíram ilesos miraculosamente (Dn 3). Assim foi que o imperador Nabucodonosor aprendeu que só o Deus de Israel, Javé, deve ser adorado, e arrependeu-se. No fim, todas as religiões falsas, todo culto prestado às imagens, o que é vedado no decálogo, desaparecerão; e todos os homens saberão que o SENHOR é o único Deus desta terra.

“O Senhor, porém, está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra.” (2.20)

A séria reflexão do profeta Habacuque sobre os alicerces morais do mundo o convenceu de que o mal não prevalecerá contra o bem. O Senhor há de reinar, e os que confiam nele, os justos que vivem pela fé, verão o triunfo do Reino de Deus aqui na terra, quando, afinal, a justiça será estabelecida entre os homens pelo Senhor. Cumprir-se-á a grande aspiração da oração dominical: “Livra-nos do mal, pois teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém.”

UM LOUVOR CONTAGIANTE E GRACIOSO (CAP. 3)

Habacuque chegou a conciliar a razão com a fé. Em seu universo pessoal, não havia mais tensão, não havia mais dicotomia entre a fé e o raciocínio. Por conseguinte, experimentou a liberdade interior, a verdadeira liberdade do espírito, que sobrepuja todas as barreiras do intelecto. E como expressão desta nova liberdade ele compôs um belíssimo poema, um hino de louvor que constitui uma jóia do saltério hebraico.
Agora convencido de que Deus é sempre justo para com todos os homens, Habacuque apelou para o Senhor dos seus antepassados, o Senhor da aliança com Israel. Pediu-lhe arrojadamente que avivasse novamente a sua obra. O Deus que no passado se manifestara aos israelitas primitivos deveria agir agora na defesa dos seus descendentes. Habacuque se lembrou das gloriosas façanhas do grande Deus de Israel em Temã e Parã (3.2). Tema era Edom, a leste do Jordão. Parã se situava entre o Sinai e Edom. Os dois lugares recordavam intervenções do Senhor, na época da caminhada do povo de Israel, desde o deserto até Canaã.

“Deus vem de Temã, e do monte de Parã vem o Santo. A sua glória cobre os céus ...” (3.3)

No Monte Sinai, a glória do Senhor cobrira o monte, e a terra tremera quando Deus entregou a lei a Moisés. O profeta cria que Deus, por ser eterno, não muda. Se se manifestasse da mesma maneira novamente, como antes, Israel não poderia temer. Os inimigos de Israel é que deveriam tremer diante dele, pois “... a pestilência segue os seus passos.” (3.5).

O Senhor envergonhara o poderoso Egito, no tempo de Moisés, mediante as pestilências das rãs, dos piolhos, das moscas e dos gafanhotos, antes da praga final da morte dos primogênitos. O desejo estava nos lábios de Habacuque: “Oxalá que se repetissem hoje sobre os caldeus”. Habacuque relembrava também a vitória de Israel contra Midiã, chamado Cusã no tempo de Habacuque (Nm 31). E quem podia esquecer o milagre da separação das águas do Mar Vermelho, quando Deus salvou do Egito o seu povo escravizado? (3.8). Deus não se irou contra as águas mas, sim, contra os inimigos de Israel, quando “os cavalos do Senhor” marcharam pelo mar (3.15).

O contexto de Israel como nação é a história da salvação, por ser Israel “o ungido do Senhor” (3.13). E a única maneira por que se pode explicar as vitórias do pequeno Israel contra os seus poderosos inimigos, vitórias essas tipificadas pelo triunfo do jovem Davi na luta contra o gigante Golias, degolado com a sua própria espada. Por isso Habacuque se regozijava:

“Traspassas a cabeça dos guerreiros do inimigo com as suas próprias lanças.” (3.14)

Enternecido o profeta, contemplando a invencibilidade do Senhor. Convenceu-se de que as forças irresistíveis de Deus esmagariam para sempre os invasores caldeus “no seu dia de angústia” (3.16). O perfeito louvor foi concluído com a mais absoluta afirmação de fé. O profeta confiava cabalmente na soberania do Senhor, a ponto de aceitar quaisquer circunstâncias como sendo dentro da boa e perfeita vontade de Deus para ele. Habacuque contemplava a possível perda da safra de frutas, e a extinção dos rebanhos como conseqüência de uma nova invasão. No entanto, o profeta reafirmou a sua alegria no Senhor:

“Ainda que a figueira não floresce . . . e nos currais não há gado, todavia eu me alegro no Senhor.” (3.17)

Semelhante a Jó, Habacuque estava pronto a perder tudo, menos a sua fé no Senhor. Habacuque fala alto à nossa sociedade de consumo, com os seus exagerados valores materiais, e o seu desprezo aos valores espirituais. A posse de bens materiais não é necessariamente sinal da bênção e da vontade divinas! A fé em Cristo não garante, de maneira nenhuma, a entrada na vida opulenta e luxuosa ... Nos países latino-americanos, com os seus milhões de seres humanos vivendo precariamente, há mui tos Habacuques modernos, que passam fome e sede, que não possuem nem casa nem terras, mas que têm fé, e por isso exultam no Deus da sua salvação. No quadro sombrio da tragédia em que vivem nossos povos nesta hora de inquietação espiritual, de confusão religiosa, de decadência moral e de convulsões sociais e políticas, são eles sal da terra, luz do mundo; nada tendo, mas possuindo tudo. Eis a voz profética ao mundo alucinado com o crasso materialismo do século XX: “Ainda que perca tudo, todavia eu me alegro no SENHOR”. E quem possui o Senhor tem a única riqueza que perdura para sempre. Isto também se aceita pela fé. Nesta certeza, nascida da fé, o profeta rematou a bela canção com palavras cheias de fé inabalável:

“O SENHOR Deus é a minha fortaleza e faz os meus pés como os da corça, e me faz andar altaneiramente.” (3.19)

Sim, o justo viverá pela sua fé. E esta fé no Senhor triunfante, ressuscitado e glorioso, transmite à vida diária uma vitalidade vibrante. Quem pela fé vê Cristo sentado no trono do universo, aguardando o momento supremo da revelação empolgante da sua glória aqui na terra, não se desanima com a situação mundial! Sabe que Cristo voltará para reinar eternamente, “porque convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo dos seus pés” (I Co 15.25). Quem tem esta fé em Cristo já é súdito do reino eterno, vivendo segundo os princípios da justiça, da paz e do amor. O reino chega com o crente, no limitado contexto da sua atuação entre os homens. Ele é sinal e penhor, dado aos homens pelo Santo Espírito, da sociedade a vir. Por isso, “anda com alegria, como corça nas montanhas.” A sua plena aceitação pela fé da vontade de Deus, sejam quais forem as circunstâncias externas por ele permitidas, é o segredo, único e perene, duma vida harmoniosa e abundante!

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