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sexta-feira, 23 de setembro de 2016

ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA PRIMEIRA PARTE

São Tomás ensina que nenhum ser possui seu ser, seu existir, em si. Só de Deus vem toda e qualquer possibilidade da existência do ser. Deus é criador porque dá consistência a cada ser. Ele é quem mantém. Por isso, a alma humana só pode ser produzida por ele. "Não pode ser transmitida pelo sêmen humano". Deus é livre para criar. Por causa de sua bondade, chama à existência o que não pode ser produzido por nenhuma outra substância ou ser criado. Desse modo, a pessoa humana só pode existir em relação ao seu criador. Ele se mantém como ser vivente porque a ação de Deus inclui uma atenção constante sempre referida a Deus.

Conceito de origem

Dois outros conceitos também devem ficar claros aqui, a saber: "criação" e "origem". A ciência trabalha com o conceito de origem. Como e quando isto ou aquilo começou. A teoria mais comum da origem do universo e, consequentemente, do ser humano é a do Big Bang. Entretanto, também há outras que são muito aceitas na comunidade científica, como, por exemplo, a teoria das cordas.

Conceito de criação

Já o conceito de criação refere-se ao ato de um criador e ao seu resultado, ou seja, o ser criado. O conceito faz referência a um ser criador superior ao ser criado. É muito comum em toda a história humana atribuir a Deus (es) a ação criadora. No caso cristão, dizemos que Deus é o autor de tudo quanto existe. Só ele existe antes do tempo. Ele é eterno e incriado. Foi da sua vontade que tudo começasse a existir. A intenção é sua, e ela pertence ao seu mistério insondável.

Os dois conceitos não se opõem necessariamente nem são consequência um do outro. São duas considerações diferentes que levam a resultados diferentes. Isso não quer dizer que são opostos (salvo quando ideologizados). Antes, são diversos por suas abordagens. De modo objetivo: falar da origem do ser humano (da humanidade) é usar a ciência. Contudo, falar da criação do ser humano (da humanidade) é estar no campo da fé.

"Criacionismos" e "evolucionismos". Esses dois conceitos indicam, também, uma diversidade – até oposição – de interpretações. Não são conceitos unívocos nem bíblica nem cientificamente. São dois modelos válidos enquanto mantiverem uma interação crítico-construtivo de complementaridade.

Sobre esse assunto, temos de considerar quatro pontos importantes:
  1. Na verdade, diante das ciências e da fé católica, é consensual a perspectiva evolucionista. Mas há muitas divergências e lacunas entre as teorias. De modo similar, entre os cristãos que aceitam o criacionismo, também há muitas diferenças. Com base na encíclica Humani Generis, de Pio XII (1950), a Igreja Católica passou a aceitar progressivamente o evolucionismo, sem, contudo, fixar--se numa teoria especial, mantendo, ao mesmo tempo, uma Teologia da Criação (inclusive do ser humano).
  2. A criação, na Bíblia, é contada em muitos textos. Todavia, na pregação e na catequese, foi priorizada uma narração não tanto literalmente bíblica, mas como síntese bíblica. Essa "sincretização" passou à Igreja e estabeleceu-se "acriticamente", sem preocupar-se com os desafios da ciência e da modernidade até 1950. Entretanto, por causa da atual exegese bíblica, tem-se encontrado o sentido (não a literalidade) do texto. Isso oportuniza uma reflexão livre e independente da Igreja diante das ciências, mas não sem relação com elas.
  3. Na Bíblia, a reflexão sobre a criação é uma ideia secundária. Ela só aparece à medida que o povo judeu conseguiu conciliar a ideia de Deus salvador e criador. O Deus que fazia alianças e salvava seu povo era o mesmo que criara o universo e os seres humanos.
  4. Além disso, muitas vezes, deu-se maior importância à Teologia da Salvação que à Teologia da Criação. Muitos teólogos, hoje, tentam um equilíbrio. Outros enfatizam, como alguns Santos Padres, o fim último para explicar a criação. Fomos criados para a glória de Deus, como já vimos na unidade anterior.

Hoje, podemos, ainda, afirmar isto: o Deus da salvação não é somente o mesmo da criação, mas também o mesmo e único Deus da evolução. A criação (também da pessoa humana) é um ato de criação contínua em que Deus se faz presente.

CRIAÇÃO NA BÍBLIA E CONCEITOS TEOLÓGICOS DA CRIAÇÃO

Questão da exegese

Convém, agora, recordarmos alguns princípios de exegese bíblica para entendermos melhor o significado da criação:
  1. Todo texto bíblico tem um contexto sociocultural, literário e religioso;
  2. Todo texto bíblico é uma narração humana inspirada para falar das "coisas" de Deus. Ele quer falar do agir salvífico de Deus mais do que falar do homem a ser salvo. É, pois, um texto teológico antes que antropológico;
  3. O texto sagrado pode sofrer influência cultural de outros povos. Seu significado é sempre próprio da fé judeu-cristã;
  4. A linguagem bíblica da criação não utiliza uma linguagem histórica (científica ou jornalística). A sua linguagem é meta-histórica. Utiliza-se, inclusive, do mito para expressar a verdade salvífica;
  5. A criação, na Bíblia, supõe relações assimétricas, a saber: Deus e o ser humano (Deus cria, e o ser humano é criado. O ser humano não é causa de si mesmo), eternidade e contingência (enquanto o criado tem início e fim, o criador é eterno e autônomo). Falar da criação, para a Bíblia, significa dispor de sentido (a criação é um chamado para a glória de Deus) e da possibilidade de superação do não sentido (a criação é destinada à salvação. Não o é a morte).
Criação no Gênesis

Sobre esse tópico, sugerimos que você leia e compare os textos seguintes:
  • Com lápis e papel à mão, leia (Gn 2.4-25) e responda a isto: qual o primeiro ser criado? O que havia antes dele? O que Deus disse antes de criá-lo? O que fez para criar o ser humano? O que Deus fez depois? Após ter sido criado, o que fez o ser humano?
  • Leia, agora, (Gn 1.1-2,4) e responda a estes questionamentos: quais os primeiros seres criados? O que havia antes da criação do ser humano? O que Deus fez para criar o ser humano? Ou Deus apenas falou?
  • Depois de ter feito o que pedimos, compare os dois textos. O fundamental da fé bíblica da criação pode ser resumido assim:
  • Deus é o criador, e o ser humano é a criatura, pois, feito à sua imagem, é o interlocutor de Deus e tem uma dignidade especial.
  • O ser humano foi criado bom. Todavia, porque dotado de liberdade, pode pecar e ofender o criador.
  • É um ser total, integrado. Entrementes, porque criado para se aperfeiçoar, sua realização plena só se dará na consumação do universo.
Criação em outros textos bíblicos

Antigo Testamento

No Antigo Testamento, você pode encontrar, ainda, outros textos sobre a criação, mesmo que estes não sejam tão conhecidos. Veja, por exemplo:
  • Nos Salmos:

    1) (Sl 136): suscita sentimentos de ação de graças;

    2) (Sl 148): leva-nos ao louvor e à adoração;

    3) (Sl 33): infunde confiança;

    4) (Sl 8 e 104): produzem surpresa e extasiamento.
  • Na literatura sapiencial:

    1) (Pe 3.19-21; 8.22-23): Javé fundou a Terra com sabedoria;

    2) (Pe 8.30ss): a dimensão lúdica da criação;

    3) (Jó 28; Ec 3): Deus realiza sua obra do princípio ao fim;
  • Novo Testamento
No Novo Testamento, você encontra inúmeros textos que recolhem a doutrina do Antigo Testamento. Veja, por exemplo: (Hb 11.3; At 4.24-30; I Pe 4.19; Ap 21.1-8; II Pe 3). Além disso, é interessante ler:
  1. (Cl 1.15-20): acentua o papel de Cristo como princípio, centro e fim da criação;
  2. (Hb 1.1-11): Cristo é o autor do mundo, além de sustentá-lo e purificá-lo;
  3. (Jo 1.1-17): o Pai, pelo Verbo criado e encarnado, produz e dirige toda a criação à plena participação em Cristo;
  4. (I Cr 8.5-6): Cristo, mediador da criação do Pai;
  5. (Ef 1.3-14): a criação toda tem origem e fim cristológicos.


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