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sexta-feira, 7 de março de 2014

CARTA A IGREJA DE PÉRGAMO (Ap 2.12-17)

Pérgamo a cidade dos livros e da ignorância espiritual 

Pérgamo ocupava um lugar muito especial na Ásia. Não estava colocada junto às grandes rotas, como Éfeso ou Esmirna; mas era a maior de todas as cidades asiáticas do ponto de vista da história. A razão era que, para a época em que João escreveu esta carta, Pérgamo tinha sido capital da Ásia durante quase quatrocentos anos. Por volta do ano 282 a.C. foi designada capital do reino selêucida, uma das divisões do império que Alexandre Magno deixou ao morrer. Foi capital desse reino até o ano 133 A.C. Esse foi o ano da morte de Átalo III. Em seu testamento este soberano legou seu reino a Roma. Com o território do reino selêucida Roma formou a província da Ásia, e Pérgamo seguiu sendo a capital. Sempre há algo de especial nas cidades capitais e Pérgamo tinha desfrutado dessa distinção durante quase 400 anos. Sua localização geográfica fazia com que Pérgamo fosse ainda mais impressionante. Estava construída sobre uma elevada colina cônica que dominava o vale do rio Caico; desde sua parte mais alta podia ver-se o Mediterrâneo, a 25 quilômetros de distância. 

William Ramsay, um erudito e viajante contemporâneo, descreve-a da seguinte maneira: "Dá a impressão de uma cidade real, como nenhuma outra das cidades da Ásia Menor. É sede de autoridades. Sua colina rochosa, tão enorme, acima da planície do Caico, tão orgulhosa, tão proprietária de si mesma..." Pérgamo nunca pôde obter a grandeza comercial de Éfeso ou Esmirna, mas era um centro cultural que ultrapassava essas outras duas cidades. Era famosa por sua biblioteca, que continha não menos de 200.000 pergaminhos. No mundo antigo somente a superava a biblioteca de Alexandria. É interessante assinalar que a palavra "pergaminho" deriva do nome da cidade, Pérgamo. Durante muitos séculos o papiro foi usado como material de escritura. O papiro era uma substância que se fazia com a polpa de um arbusto aquático que cresce em grandes quantidades às margens do Nilo. Extraía-se o miolo desta planta, que era alisada e prensada de modo a formar folhas, que por sua vez eram polidas numa de suas superfícies. O resultado era um material muito parecido ao papel "madeira" ou de "Manila", que se usava quase universalmente para escrever. 

No terceiro século antes de Cristo um rei de Pérgamo, que se chamava Eumenes, quis tornar a biblioteca de sua capital a mais importante do mundo. A fim de fazê-lo convenceu ao Aristófanes de Bizâncio, que era bibliotecário em Alexandria, para que fosse assumir a biblioteca de Pérgamo. Ptolomeu, rei do Egito, incomodou-se tanto por este "roubo" que ditou um embargo sobre os envios de papiro com destino a Pérgamo. Diante desta situação os estudiosos de Pérgamo inventaram o pergaminho, que se faz com couro alisado e encerado para que se possa escrever sobre sua superfície. Em realidade, o pergaminho é um material muito mais adequado para a escritura, e ainda que durante muitos séculos o papiro seguiu sendo usado, com o correr do tempo seria totalmente substituído pelo pergaminho. Pérgamo, então, glorificava-se em seus conhecimentos e sua cultura.

A IGREJA EM PÉRGAMO

Pérgamo era um dos centros religiosos mais importantes do mundo antigo. Havia nessa cidade dois santuários famosos. Na carta do Cristo ressuscitado a Pérgamo, este diz que a Igreja dessa cidade está localizada no lugar onde encontra-se o trono de Satanás". Esta referência denota, sem dúvida, algo que para a Igreja Cristã era particularmente mau e hostil para a fé. Alguns creram encontrar nestas palavras uma referência ao esplendor religioso pagão da cidade de Pérgamo. Vejamos, pois, quais eram os santuários mais famosos desta cidade, e se servirem para nos explicar o significado daquela frase.

  1. Pérgamo considerava-se defensora e custódia do estilo de vida grego e da adoração aos deuses pagãos dessa cultura. Pelo ano 240 a. C. os habitantes de Pérgamo haviam ganho uma grande vitória contra os invasores gálatas ou galos, povos considerados "bárbaros" ou selvagens. Foi graças a essa vitória que se conseguiu deter a penetração dos gálatas. Em memória do evento levantou-se um grande altar dedicado a Zeus. Foi erigido em frente do templo de Atenas, sobre o montículo cônico que dominava a cidade, a 250 metros de altura. Tinha o altar de 14 metros de altura, e estava localizado numa saliente rochosa da colina. Seu aspecto era o de um grande trono ou cadeira, sobre um dos lado da colina; e durante todo o dia, todos os dias do ano, elevava-se desde esse "trono" a fumaça dos sacrifícios o que nele se ofereciam a Zeus. Em sua base, esculpida na pedra, havia um dos mais maravilhosos baixos-relevos que o homem jamais tenha visto: a representação num friso da Batalha dos Gigantes, na qual os deuses gregos triunfam sobre os gigantes, divindades atribuídas aos bárbaros. Sugeriu-se que esse altar é o que no Apocalipse se denomina "o trono de Satanás". A posição desse monumento tornava impossível a qualquer visitante ou habitante de Pérgamo esquecer a deusa Atenas e o deus Zeus. Mas, por outro lado, é difícil que um autor cristão tivesse perdido o tempo em atacar o culto destas divindades, porque pelo tempo em que apareceu a Igreja a religião pagã já era um anacronismo, uma sobrevivência apenas do passado

  2. Pérgamo estava relacionada de maneira especial com o culto de Esculápio até o ponto que a este o estava acostumado a chamar "o deus pergaminho". Quando Galeno cita os juramentos mais comuns de sua época, menciona a Ártemis de Éfeso, Apolo de Delfos e Esculápio de Pérgamo. Esculápio era o deus curandeiro; na antigüidade seus templos sempre estavam perto dos hospitais. Havia muita gente, proveniente de todas as partes do mundo, que chegava a Pérgamo buscando a cura para suas doenças no templo de Esculápio. R. H. Charles apelidou a Pérgamo "o Lourdes da antigüidade". As curas eram realizadas em parte pelos sacerdotes e em parte pelos médicos. Galeno, que só foi superado como médico por Hipócrates, era natural de Pérgamo. Mas muitas vezes a saúde se atribuía à intervenção milagrosa e direta do próprio Esculápio. Pôde haver alguma razão para que os cristãos se sentissem movidos a chamar "trono de Satanás" ao templo de Esculápio em Pérgamo? Pôde haver duas razões.
Em primeiro lugar, o título mais famoso de Esculápio era "salvador". É possível que os cristãos tenham experimentado um calafrio de horror ao sentir que outro, fora de Cristo, recebia um título de salvador do mundo que só pertencia a Ele. Em segundo lugar, o emblema de Esculápio era uma serpente (que ainda se costuma usar como símbolo da medicina). É possível que qualquer judeu ou qualquer cristão interpretasse como satânico um culto que usava a serpente como emblema distintivo. Mas esta explicação não é totalmente satisfatória. Sugeriu-se que os cristãos veriam com consideração um lugar onde as gentes vinham buscando ser curadas de suas enfermidades — e muitas vezes o eram — antes que com indignação e ira. O culto de Esculápio sem dúvida não é uma base suficiente para chamar Pérgamo de "trono de Satanás" ao templo de Esculápio em Pérgamo? Pôde haver duas razões:


A ESPADA DE DOIS GUMES

O culto a César estava organizado em torno de um centro provincial, semelhante ao presbitério ou a diocese. Pérgamo era o centro do culto a César na província da Ásia. Foi a primeira de todas as cidades asiáticas (antes de Esmirna, inclusive) que teve, desde o ano 29 a.C., um templo dedicado a César. Isto significava que os cristãos de Pérgamo viviam sob uma constante ameaça de morte. Nunca sabiam quando cairia sobre eles a espada. Sem dúvida é por isso que Pérgamo se denomina "trono de Satanás". Era o lugar onde se obrigava os homens a dar o nome de "Senhor" a César. Para um cristão não havia nada que fosse mais demoníaco e satânico que isso.

Há duas coisas que devem destacar-se. Em primeiro lugar, este era um ato de lealdade política mais que uma profissão de fé religiosa. Em segundo lugar, Roma nunca planejou fazer com que este culto fosse exclusivo. Tendo completado sua obrigação cívica no templo do César, o cidadão podia adorar o resto do ano no templo onde melhor lhe parecesse, sempre que sua religião não fosse ofensiva à ordem ou à decência. Mas nenhum cristão poderia aceitar a obrigação de dizer "César é o Senhor", porque para ele havia somente um Senhor, Jesus Cristo. O governo romano foi incapaz de compreender este ponto de vista, e os cristãos eram considerados cidadãos desleais e perigosos revolucionários. Por isso foram proscritos e perseguidos.

Também existe a explicação que encontramos no princípio da carta a Pérgamo. No cabeçalho chama-se a Cristo ressuscitado "aquele que tem a espada aguda de dois gumes". Segundo a lei romana os governadores estavam divididos em duas categorias: Os que tinham o jus gladii (a lei da espada) e os que não o tinham. Os que possuíam o poder da espada tinham direito de morte ou vida sobre sua província; sua palavra era lei suficiente para que qualquer homem fosse executado na hora. Do ponto de vista humano, o procônsul, que governava desde cidade de Pérgamo, na Ásia, possuía o jus gladii, o direito da espada, e em qualquer momento podia fazer uso de sua prerrogativa contra os cristãos. A carta começa dizendo que os cristãos não devem esquecer que tal última palavra, entretanto, sempre a tem Cristo, que possui a espada afiada em seus dois gumes. O poder de Roma podia ser satanicamente aterrador; mas o poder do Senhor Ressuscitado era muito mais tremendo ainda.

O DESTINATÁRIO (Ap 2:12-17) 

Ser cristão em Pérgamo significava enfrentar o que pode chamar-se, como o teria feito Cromwell, "um compromisso muito difícil". Já vimos que em Pérgamo se concentrava a religião pagã. Adorava-se a Atenas e a Zeus, com seu magnífico altar que dominava a cidade; adorava-se a Esculápio, vindo até seu templo uma multidão de doentes dos quatro ventos; e sobretudo, em Pérgamo era onde mais exigente fazia-se o culto a César, que pendia sobre as cabeças dos cristãos como uma espada que a qualquer momento podia cair e executar sua ira. 

Por isso o Cristo ressuscitado diz aos cristãos de Pérgamo, “Conheço o lugar em que habitas”. A palavra “habitar” significa ter lugar de residência fixo num lugar. É muito estranho que se use esta palavra para referir-se ao lugar onde os cristãos vivem no mundo. Em geral utiliza-se o termo grego paroikein que significa estar de passagem, residir de maneira temporária. Pedro, em sua Carta, escreve aos "estrangeiros" e os que "estão de passagem" nas províncias da Ásia.

É muito mais natural pensar que os cristãos são residentes temporários, em qualquer lugar onde se encontrem no mundo. Mas os cristãos de Pérgamo têm sua residência permanente, pelo menos do ponto de vista do mundo, na cidade de Pérgamo; e Pérgamo é o lugar onde está o trono de Satanás, o lugar onde o governo de Satanás é mais forte, onde Satanás exerce maior autoridade. É ali onde os cristãos de Pérgamo devem ficar, gostem ou não gostem. Estão ali e não podem ir a outro lado. 

Aqui há algo muito importante. O princípio da vida cristã não é escapar mas sim conquistar. É fácil que pensemos, às vezes, que nos seria muito mais fácil ser cristãos em outro lugar, em outros povos, sob circunstâncias diversas; mas o dever do cristão é não evitar as dificuldades, mas dar testemunho de Cristo onde a vida o colocou. 

Ouvimos em certa ocasião a história de uma moça que se tinha convertido numa campanha evangelística. Seu primeiro passo foi deixar seu trabalho no periódico secular onde trabalhava e tomar um novo trabalho num pequeno periódico cristão, onde sempre estava rodeada por crentes. É curioso que o primeiro efeito de sua conversão tenha sido escapar. Quanto mais difícil seja ser cristão numa situação e circunstâncias específicas, maior é a obrigação de ficar nesse lugar. Os cristãos de Pérgamo tinham que ser discípulos de Cristo no lugar onde estava o trono de Satanás, e ali era sua obrigação ficar. Se nos primeiros tempos os cristãos escapassem toda vez que encontrassem dificuldades demasiado grandes para viver sua fé, não se tivesse podido ganhar todo um mundo para Cristo. 

Por outro lado, os cristãos de Pérgamo demonstraram que era possível ser cristão sob as piores circunstâncias. Mesmo quando pesava sobre eles a ameaça do martírio, não se amedrontaram nem iniciaram a retirada. Sabemos muito pouco sobre Antipas; uma lenda, citada por Tertuliano, diz que morreu ao ser colocado dentro de um touro de bronze e ser aceso o fogo por baixo para que assasse. Mas há algo no texto original, em grego, que é muito difícil de traduzir ao português. O Cristo ressuscitado chama o Antipas "meu martus fiel". Para nós, a palavra martus significa "mártir". Mas em grego martus quer dizer comumente "testemunha". Para os cristãos primitivos ser testemunha e ser mártir eram a mesma coisa. O testemunho significava muito freqüentemente martírio. O cristão dos primeiros tempos sabia muito bem que ao aceitar a fé se converteu, automaticamente, em réu de morte. 

Aqui há algo para que nos envergonhemos. Há muitos que estão sempre dispostos a exibir seu cristianismo entre cristãos; mas assim que o círculo que os rodeia é formado preponderantemente por incrédulos, dissimulam seu cristianismo, para não serem ridicularizados, para não receberem zombaria ou desprezo. O cristão deve lembrar que ser testemunha também significa ser mártir, e que não é estranho que ao dar testemunho de Cristo se deva enfrentar também o sofrimento e até a morte. 

Mas deve notar-se ainda outra coisa. O Cristo ressuscitado chama a Antipas "meu martus fiel". Deste modo lhe outorga o mesmo título com que Ele é distinguido. Em Apocalipse 1:5 e 3:14 Jesus Cristo recebe o título de "testemunha fiel"; Jesus Cristo outorga sua próprio honra e nome a todos os que lhe são fiéis. É muito fácil ser cristão quando isso não ocasiona problemas sérios; mas a maior glória corresponde ao homem, à mulher, que aceitam o fato de que o testemunho e o martírio muitas vezes andam de mãos dadas.

AS HERESIAS DE PÉRGAMO (Ap 2:12-17; 2:1-7) 

DOUTRINA DE BALAÃO

Surge aqui uma heresia que o Cristo ressuscitado diz que lhe é odiosa. Elogia os efésios porque eles também a aborrecem. Pode parecer estranho que se atribua um sentimento tão negativo ao Cristo ressuscitado. Mas devemos lembrar duas coisas. Em primeiro lugar, se amamos a alguém com amor apaixonado e intensamente, odiaremos, ao mesmo tempo, qualquer coisa que ameace arruinar sua alma e corpo. Em segundo lugar, devemos lembrar que sempre se deve odiar o pecado, mas amar o pecador. A santa ira de Deus acende-se ardente contra o pecado, mas o amor de Deus pelo pecador nunca esfria nem esgota. Os hereges aos quais o texto se refere são os nicolaítas. Somente os nomeia, não os define. Mas voltamos a encontrá-los. Aqui são relacionados com os que “sustentam a doutrina de Balaão” (v.14). E isto, por sua vez, relaciona-se com a ingestão de alimentos oferecidos aos ídolos e com a fornicação. Voltamos a encontrar o mesmo problema em Tiatira, onde a ímpia Jezabel fazia os crentes fornicarem, e os tentava a comer alimentos oferecidos aos ídolos. Deve notar-se, em primeiro lugar, que este perigo não provém de fora da Igreja mas sim de dentro. Os hereges são inimigos em nossas próprias filas. Não planejavam destruir o cristianismo, mas sim oferecer uma nova versão, melhorada e modernizada, da verdadeira fé. Deve notar-se, em segundo lugar, que na Carta a Pérgamo os nicolaítas e os que seguem a doutrina de Balaão são intimamente relacionados. 

O nome de Nicolau, fundador dos nicolaítas, provém de duas palavras gregas, nikan, que significa conquistar e laos, que significa povo. Balaão, por seu lado, pode derivar-se de duas palavras hebraicas, mofa, que significa conquistar, e ha'am, que significa povo. Os dois nomes, então, têm o mesmo significado e, provavelmente se trate da mesma pessoa, um mestre daninho mas influente, que conseguiu subjugar a muitos seguidores e ganho uma vitória para o mal. Qual é a história de Balaão do Antigo Testamento? Em Números 25:1-5 encontramos uma história muito estranha sobre como os israelitas foram seduzidos a manterem relações ilícitas e sacrílegas com mulheres moabitas e a adorarem a divindade pagã Baal-Peor, uma sedução que, se não fosse controlada com severidade, teria arruinado toda a religião de Israel e a teria destruído como nação. 

Quando seguimos lendo e chegamos a Números 31:16 encontramos que esta separação se atribui totalmente à influência maléfica de Balaão. Balaão, portanto, figura na história do povo hebreu como uma pessoa perversa que arrastou o povo de Deus à imoralidade e ao pecado. Vejamos agora o que dizem os historiadores da Igreja com relação aos nicolaítas. A maioria os identifica como seguidores de Nicolau, um prosélito de Antioquia que aparece em Atos (6:5) como um dos sete comumente chamados diáconos. A idéia é que Nicolau se perverteu e chegou a ser o dirigente de uma heresia. Irineu diz com relação aos nicolaítas que "viviam vidas de irreprimida indulgência" (Contra Hereges, 1.26.3). Hipólito diz que Nicolau era um dos sete, e que se apartou da doutrina correta, "inculcando a indiferença em matéria de alimentos e hábitos de vida" (Refutações de Heresias, 7.24). 

As Constituições Apostólicas descrevem a Nicolau como "desavergonhado em sua impureza". Clemente de Alexandria diz que "os nicolaítas se abandonam ao prazer como bodes... levando uma vida de indulgência irreprimida". Mas livra a Nicolau de toda culpa, dizendo que os nicolaítas corromperam o ensino daquele, para quem "a carne devia ser abusada". Com estas palavras Nicolau queria dizer que o corpo deve ser castigado; os hereges perverteram este ensino ao afirmar que a carne pode usar-se tão vergonhosamente como a pessoa imaginar (Miscelâneas, 2.20). Os nicolaítas, então, ensinavam a imoralidade e a vida leviana. Procuraremos descrever de maneira mais detalhada o ponto de vista e os ensinos destes hereges. A carta a Pérgamo diz que os nicolaítas faziam com que os crentes comessem carne que tinha sido oferecida aos ídolos e fornicassem. Nos decretos do Concílio de Jerusalém (Atos 15:28-29) estabeleceu-se que os gentios seriam admitidos na Igreja só se estivessem dispostos a aceitar duas normas de vida: Abster-se de comer carne que tivesse sido sacrificada aos ídolos e não fornicar. São estas as duas condições que os nicolaítas quebrantavam. É muito provável que os nicolaítas oferecessem a seguinte argumentação a favor de sua doutrina herética: 
  • A Lei perdeu vigência, portanto já não há regras, mandamentos ou normas que devam obedecer-se. Temos o direito de agir como bem quisermos. Confundiam a liberdade cristã com a libertinagem, que tão longe está de nossa verdadeira fé. Eram aqueles a quem Paulo aconselhou a não usarem sua liberdade como ocasião para a carne (Gálatas 5:13).
  • É provável que cressem na corrupção radical do corpo, afirmando que só o espírito era bom. Portanto a pessoa podia fazer o que queria com o corpo, porque este já não contava e era impossível redimi-lo. Se o corpo carecia de importância, não importava tampouco se o cristão saciava até a indigestão seus apetites.
  • Provavelmente sustentavam que o cristão está a tal ponto sob a proteção da graça divina, que não tinha importância aonde fosse, o que fizesse ou com quem andasse. A graça o protegia e fizesse o que fizesse obteria sempre perdão de parte de Deus. Ressalta evidente que os nicolaítas eram tremendamente perigosos, porque pervertiam para seu próprio beneficio as verdades cristãs mais importantes. 
  • O que podemos perceber por trás da perversão da verdade que os nicolaítas pregavam? O problema era a diferença que necessariamente havia entre a sociedade pagã e a comunidade de cristãos primitivos. Os pagãos não tinham problemas em comer carne que tinha sido oferecida aos ídolos. Em geral o faziam em qualquer celebração festiva da que participassem. Poderia o cristão participar de tal festejo? Os pagãos, por outro lado, não tinham uma norma moral que exigisse que fossem castos. As relações sexuais antes e fora do casamento eram normais para eles e não constituíam uma desonra. Deviam os cristãos ser tão diferentes? Deviam separar-se tanto das práticas e normas do mundo em que viviam? Era necessário que fossem tão diferentes? Os nicolaítas sugeriam que não havia razão alguma para que os crentes se diferenciassem dos demais em matéria de moral, visto que não havia razões de peso para que tivessem que "romper" com o mundo. William Ramsay descreve seus ensinos da seguinte maneira: "Era um intento de efetuar um compromisso razoável com a sociedade gregoromana, retendo tanto quanto possível de seus costumes no regime de vida dos cristãos." Este ensino, como era de esperar-se, afetava sobretudo os cristãos cultos e influentes, membros das classes superiores, porque estes eram os que tinham mais a perder ao se entregarem sem reservas às exigências do Evangelho. Para João os nicolaítas eram piores que os pagãos, porque agiam como inimigos que conseguiram infiltrar-se nas filas da Igreja. Os nicolaítas queriam estar de acordo com o mundo; não estavam preparados para ser diferentes; não estavam em condições de tomar a grande decisão; queriam desfrutar do melhor de ambos os mundos. De um ponto de vista prático eram os piores hereges que houve, porque se seu ensino tivesse tido êxito, o mundo teria mudado o cristianismo e não o contrário o cristianismo mudado o mundo.

NICOLAÍTAS

Em que pese a fidelidade da Igreja em Pérgamo, nela havia aqueles que viviam no erro. Havia aqueles que seguiam os ensinos de Balaão e a doutrina dos nicolaítas. Já vimos quem eram estes hereges quando estudamos a carta a Éfeso, e voltaremos a nos ocupar deles quando explicarmos a carta a Tiatira. Bastará no momento dizer que segundo os nicolaítas não havia nada mau em que os cristãos se adaptassem aos costumes do mundo, e portanto recomendavam seguir uma política de prudente compromisso quando se tratava das práticas e a moral da sociedade pagã. 

O homem que não está preparado para ser diferente não deve sequer dar o primeiro passo no caminho do discipulado cristão. A palavra mais comum que se usa no Novo Testamento para designar os crentes é hagios; em várias oportunidades assinalamos que o significado fundamental deste termo é "separado" e "distinto". O Templo é hagios porque é diferente a todos os outros edifícios; o Sabath é hagios porque é diferente de todos os outros dias; Deus é o supremo hagios porque em sua infinita santidade e pureza é totalmente diferente de todos os outros seres; e o cristão é hagios porque é diferente dos demais. 

Devemos entender muito claramente o que significa esta diferença, porque contém um paradoxo. Paulo exorta os coríntios a ser diferentes: “Saí do meio deles”, diz-lhes (2 Coríntios 6:17). Esta diferença com relação ao mundo não significa que o cristão deve isolar-se e viver separado do mundo, nem significa que se deva desprezar, odiar ou ter em menos conta o mundo. 

É o mesmo Paulo quem diz à mesma igreja: “Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns” (1 Coríntios 9:22). Paulo afirmava que ele era capaz de dar-se bem com qualquer. Mas — e aqui está a diferença — se dava bem com todos para poder ganhar alguns. Não se tratava de baixar o cristianismo até seu nível; era questão de elevar a outros até o nível do cristianismo. O erro dos nicolaítas era tentar rebaixar a vida cristã ao nível da vida dos pagãos antes que elevar o mundo de sua época ao nível do cristianismo. Em outras palavras, sua política ara o arranjo, e sua motivação terminantemente evitar os reações negativas que não estavam dispostos a sofrer. O Cristo ressuscitado diz que virá e pelejará contra eles. Note-se que não diz "pelejarei contra vós". A ira de Cristo não se dirige contra a totalidade da Igreja em Pérgamo, mas sim contra aqueles que estavam seduzindo, levando pelo mau caminho e tentando a Igreja. Com relação aos seduzidos, aos que tinham sido tirados do caminho correto, aqueles que tinham sido ofendidos mais que cometer, ofensa, não sinta mais que piedade. A ira de Cristo é mortífera para os que fizeram outros caírem. 

Jesus Cristo diz que virá e pelejará contra os tentadores com "a espada de minha boca". O Cristo da espada é uma idéia surpreendente. Pensando em muitos conquistadores e comparando-os com Jesus um poeta escreveu: Então todos aqueles desapareceram da cena Como sombras vacilantes sobre um espelho; E conquistando século após século ao longo da história Veio Cristo, sem espada, montando um asno.

O que significa, então, esta referência à espada da boca de Cristo? O autor de Hebreus fala da Palavra de Deus que é mais afiada que uma espada de dois gumes (Hebreus 4:12). E Paulo fala que "a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus (Efésios 6:17). A espada de Cristo é sua palavra.

Nas palavras de Cristo o pecador encontra a convicção de seu pecado; nela qualquer homem é confrontado com a verdade e obrigado a reconhecer seu fracasso ao tentar conhecer e viver a verdade. Na palavra de Cristo há um convite para ir a Deus; convence o pecador de seu pecado e o convida à redenção: nunca o condena irremediavelmente. Na palavra de Cristo temos a segurança da salvação; ela convence o pecador de seu pecado, leva-o até a cruz e lhe outorga a segurança de que não há outro nome sob o Sol, de todos os que foram dados ao homem, mediante o qual possa ser salvo, exceto o nome de Jesus (Atos 4:12). A conquista que faz Cristo é seu poder para ganhar os homens para o amor de Deus.





Por Anaildo Silva
Teólogo e Jornalista















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